HIFA em entrevista: “Comecei a fartar-me de melodias. Eu queria jarda e ritmos”
HIFA em entrevista: “Comecei a fartar-me de melodias. Eu queria jarda e ritmos”
HIFA em entrevista: “Comecei a fartar-me de melodias. Eu queria jarda e ritmos”
HIFA lançou, no início deste ano, o disco Season One: Throbs. Trata-se do seu álbum de estreia pela Rotten \\ Fresh, servindo também como sequela do seu último álbum, It Spread Underground. Trata-se de uma autêntica rave de trincheira que vai buscar um pouco ao footwork e ao gabber, com uma hospitalidade inóspita e kicks em velocidades supersónicas.
No passado dia 15 de janeiro, a Threshold esteve numa curta conversa com HIFA. Falámos do novo álbum, na perspetiva do passado (contexto mediante os projetos anteriores), presente e futuro (contexto mediante os próximos passos que HIFA poderá vir a tomar). Tocámos também nos dois outros projetos no qual HIFA participa: bbb hairdyer e nëss.
Este álbum já foi apresentado nos dias 7 (Damas, Lisboa) e 19 de janeiro (Maus Hábitos, Porto). O próximo concerto acontecerá ainda hoje, no Titanic Sur Mer (Lisboa), às 22h00. Aquando o álbum, pode ser ouvido ou adquirido (fisicamente ou digitalmente) a partir do Bandcamp da Rotten \\ Fresh.Como descreverias o teu último álbum, Season One: Throbs?
A palavra que mais uso para o descrever é “carcaçada”. Acho que é uma palavra que o resume muito bem. Além disso, comecei a explorar neste álbum um pitch mais intenso, e fiquei bué desligado de melodias [risos]. Então, virei-me mais para os ritmos, priorizando a intensidade à harmonização. Aliás, diria mesmo que muitas músicas do álbum parecem não ter um lead, ou uma figura principal na narrativa da música.
2019 foi um ano especialmente ativo para ti: depois de teres voltado da Holanda, lançaste não só um álbum e um EP como também diversos singles no Soundcloud. Season One: Throbs vem em 2023, depois de alguma inatividade por parte de HIFA. O que te fez demorar mais tempo a cozinhar este álbum?
A vida. Até porque eu não fiquei mais tempo a cozinhar este álbum: apenas passei este tempo extremamente cansado e tive que me fazer à vida. Tive de arranjar emprego e estabilidade. Enfim, foi uma época fodida para o meu lado artístico. O capitalismo forçou-me a ir por outros sítios. Além disso, enquanto compunha o álbum, cheguei a perder alguns ficheiros do álbum, e não fiz essas músicas de novo.
Este novo álbum tem uma atmosfera quase oposta aos teus álbuns anteriores, que eram mais virados para o ambient, enquanto este é uma autêntica rave de trincheira. O que te fez executar uma transição tão brusca de um lançamento para o outro?
Houve dois projetos que me inspiraram a apreciar e fazer mais música pesada. Um deles são os Gabber Modus Operandi, que têm uma abordagem ao gabber bué diferente, com aspetos folclore bué singulares. É diferente do gabber europeu, mais ligado para o eurodance, e do qual não gosto assim muito.
O outro projeto é o dos 7777 Angels. Eles têm abordagens que me interessam bué na música pesada, porque transmitem uma grande carga emocional na música. Aliás, a “Tokyo 3”, do meu álbum, demarca bastante bem essa transição entre o álbum anterior, o It Spread Underground, e as faixas deste novo álbum. É música mais pesada, mas com essa carga emocional inspirada. No entanto, com o tempo, comecei a fartar-me de melodias. Eu queria era jarda, queria era ritmos. Só ritmos. Assim meio à footwork.
Agora, de onde é que veio essa transição?… Epá, não sei. Acho que sou uma pessoa que descobre um género, fica fascinado, e tenta reproduzi-lo. No entanto, o ambient não foi completamente abandonado. Aliás, estou a pensar em voltar ao ambient no próximo álbum.
Porquê?
Tenho saudades [risos]. É divertido e libertador fazer cenas de ambient. É preciso bué espaço, bué tempo, bué paciência, já para não falar na atenção ao detalhe, com um som a mudar muito lentamente… É bué prazeroso, no ponto de vista da criação. Tenho bué saudades disso.
Já pensei em fazer um projeto de misture o ambient com a natureza quase drone de alguma música folclore portuguesa. Ter os ritmos em estado de transe, com a ajuda de, sei lá, o cante alentejano, que por acaso tem-me fascinado bastante e tenho tido imensa vontade de os trazer para a minha linguagem (claro, sempre respeitando esses formatos de arte). Então, ya, criar um projeto de folk ambient [risos]. Não sei, é uma ideia que tenho na minha cabeça.
Além do projeto HIFA, também és baixista de bbb hairdryer e nëss. Achas que existe algum ponto de ligação entre o teu eu artístico em HIFA e esses dois outros projetos?
Não. Eu acho que tudo o que eu faço, independentemente do que seja, é HIFA. É uma coisa que decidi: é o meu nome artístico. Mas, claro, a abordagem que eu tenho é bué diferente: a forma como eu toco baixo é bué diferente da forma como eu toco no computador. Eu tenho bastante dificuldade em criar música eletrónica em coletivo, enquanto o baixo é um instrumento que se encaixa muito melhor a uma experiência coletiva.
Eu comecei a tocar em bandas com a Robin, de bbb hairdryer, lá no secundário. Foi assim que começámos. O meu interesse pela música eletrónica só chegou mais tarde, por isso a minha essência musical continua a ser a de tocar baixo numa banda. Aliás, o facto de ter voltado a tocar em bandas enquanto faço a minha música a solo fez-me sentir bastante completo. E são duas bandas que complementam muito bem o outro lado de HIFA. Há um lado colaborativo, e outro que controla todas as cenas e faz aquilo que quer.
E este é também o teu álbum de estreia pela Rotten \\ Fresh. Como é que começou a tua ligação com esta label?
Esta ligação, mano… [risos]. Eu conheci o Diogo Oliveira [editor-chefe da Rotten \\ Fresh] na faculdade, enquanto ele criava e cortava à mão os primeiros discos físicos da editora, que eram de artistas que também andavam lá na faculdade, pelo que me lembro. Então, eu sempre quis fazer música, e uma das minhas principais motivações para fazer música a solo foi, na verdade, todas essas pessoas à minha volta que faziam coisas de forma tão expontânea. Depois tínhamos o Diogo, com uma editora que lançava discos e materializava música de amigos meus em formato físico.
Então, lá para 2016 ou 2017, eu disse-lhe: “olha, eu curtia de, um dia destes, lançar um álbum pela Rotten”, ao que ele respondeu: “Eia, isso para aí em 2021 ou assim dá”. Epá, e eu depois fiquei a pensar: “bro, estás-me a dar tipo, quê? Quatro anos? Pronto. Ok”. E entretanto acabei por me esquecer do assunto. No entanto, para aí no ano passado, ele chegou-se a mim e disse: “então, como é? Bora lá lançar esse disco, então?”. E eu tipo: “o quê? Como é que te lembraste disso, mano?”. Ele manteve isso na cabeça estes anos todos, nem sei bem como. Isto pouco depois de ter participado numa compilação da Rotten \\ Fresh que acabou por não ser lançado. Mas ya, o Diogo é um gajo que confia nos projetos em que acredita. Então, a cena acabou por acontecer.
Já apresentaste este álbum ao vivo, no dia 6, nos Damas. Qual foi o feedback por parte desse público?
Foi bué overwhelmingly positivo, na verdade. Não estava à espera que corresse tão bem. Já me encheu o coração para o resto do ano, e estamos em janeiro [risos]. Foi carcaçada.
Que artistas mais tens ouvido ultimamente?
Tenho ouvido bué Sunn O))). Tenho andado viciado numa malha específica do José Malhoa, a “24 Rosas”, que é incrível. Tenho ouvido bué Type O Negative, também. Ah e Grouper! Não esquecer.