Lusofonia Record Club em entrevista: “Vamos tentar sempre encontrar o equilíbrio entre as edições de arquivo e contemporâneas”

Lusofonia Record Club em entrevista: “Vamos tentar sempre encontrar o equilíbrio entre as edições de arquivo e contemporâneas”

| Fevereiro 15, 2023 3:00 pm

Lusofonia Record Club em entrevista: “Vamos tentar sempre encontrar o equilíbrio entre as edições de arquivo e contemporâneas”

| Fevereiro 15, 2023 3:00 pm

A Lusofonia Record Club é o primeiro clube de vinil por assinatura orientado exclusivamente para a música lusófona. Estivemos à conversa com Léo Motta, um dos fundadores do clube com sede no Porto, que fez um balanço daquilo que foi o primeiro ano da editora e abordou também as perspetivas futuras do que pretende ser a Lusofonia Record Club.

Recentemente lançaram o volume III dos arquivos do icónico José Pinhal, uma figura que alcançou o estatuto de culto na música tradicional portuguesa e ainda tiveram direito a uma menção honrosa no jornal inglês The Guardian a propósito das suas edições de elevada qualidade, exclusivas e limitadas da obra e vida de José Pinhal que alavancaram o crescimento do projeto.

Vamos rumo à questão inevitável, como é que nasceu a editora Lusofonia Record Club e de que forma?

É bom que toda a gente pergunte essa questão porque já tenho também uma resposta bem formatada… (risos), a verdade é que vim viver para o Porto em 2019 para fazer um mestrado em Inovação e Empreendorismo Tecnológico na Universidade do Porto e a partir daí conheci o Tomás Pinheiro nesse curso. Desde o primeiro contacto pessoal com o Tomás que partilhávamos muitas coisas e referências em comum, ambos trabalhámos na indústria da música no Brasil e no final do ano de 2020 decidimos inscrevermo-nos no concurso StartUp Voucher com o projeto da Lusofonia Record Club sempre com a ideia de sermos um clube de vinil.

Gostava de saber um pouco mais acerca desse programa da StartUp Voucher, como é que se organizaram, quais os critérios e se o processo foi demorado?

O processo foi um bocado longo porque é um programa com algum nível de complexidade, não é assim tão semelhante aos programas da DG Artes. Se não me engano, foram 70 empresas que passaram junto connosco, desconheço o número total de candidatas. E deu bastante trabalho porque era uma análise muito minuciosa, muito nos pormenores de cada coisa, qual a inovação do processo, do produto, como é que funciona dentro do contexto da música em Portugal, como é que se liga com os objetivos sustentáveis do projeto. Contudo, já tínhamos alguma experiência neste tipo de candidaturas.

Dá para perceber então que já têm uma vasta experiência no mundo empresarial da indústria musical… Portanto, há quanto tempo desenvolvem essa atividade?

Pessoalmente já trabalho nesta área há cerca de 15 anos, o Tomás também já está envolvido nesta atividade faz um tempo, mas só para completar apareceu por amigos em comum o Jorge Falcão é o único que não vem propriamente da área da música, no entanto sempre se interessou por vinil e acabou por entrar este ano no nosso clube.

O lançamento em vinil do José Pinhal foi o pontapé de partida para a Lusofonia Record Club. Penso que devido ao culto criado à volta do José Pinhal teria tudo para correr bem, logo queria saber quais eram as vossas expetativas na altura desta estreia no vosso catálogo?

No começo a validação com o lançamento do José Pinhal ela foi muito positiva, o que nos levou a crer que esse sucesso do nosso primeiro lançamento ter esgotado rapidamente não deveria ser confundido com os futuros lançamentos da editora. Eu desconfio que toda a gente ainda não sabe o quão grande é o José Pinhal hoje em Portugal, então de facto, foi um fenómeno muito maior do que nós esperávamos. Em cada lançamento nós percebemos como o nosso modelo de negócio funciona, o quanto flutua de público, o quanto se vende cada disco e acaba por ser muito claro que estando em Portugal… os artistas portugueses são os mais procurados e vendidos dentro do nosso catálogo.

Isso faz todo o sentido… aliás o vosso primeiro disco do José Pinhal seguiu praticamente como um ponto de referência para os vossos assinantes do Lusofonia Record Club. Sabendo que já tiveram 6 discos com a vossa edição desde o nascimento da vossa loja online, gostava de entender como surgiu o contacto e a oportunidade relativamente ao vosso trabalho com o David e Miguel, mas também sobre com todos os outros artistas que abraçaram a vossa discografia.

Muitas vezes parte de nós o contacto com os artistas, praticamente todos os discos foram assim, no entanto, com o David Bruno e o Mike El Nite foi muito curioso porque não os conhecíamos, porém entre encontros e desencontros já conhecíamos a música deles e ficava muito na nossa cabeça, principalmente a música “Inatel”. Até que o Tomás se virou para connosco e sugeriu conversar com eles para os convidar a integrar o nosso catálogo, além de que reflete também a narrativa de “portugalidade” do José Pinhal, mas neste caso com um toque bem mais moderno.

Reparei também que realizaram alguns eventos presenciais a partir da vossa editora, um deles uma festa no espaço cultural do Maus Hábitos situado na vossa cidade do Porto, sabendo que têm pouca distribuição física em lojas e mantêm essa exclusividade principalmente no online com os vossos assinantes, gostava de compreender se têm a intenção de dar continuidade a essa estratégia de negócio ou não?

É uma boa pergunta… porque no fundo nós somos uma editora. E sendo assim, nós temos coisas que estão muito consolidadas e outras que ainda estamos a explorar para ver o que funciona ou não. A ideia é construir uma boa base de assinantes e a partir daí começar a pensar nessas possibilidades. Por exemplo, no Brasil, temos as labels Noize Record Club e a Três Selos enquanto modelos idênticos ao nosso negócio. Atualmente temos alguns parceiros pontuais de distribuição em algumas feiras de vinil e até fora de Portugal, temos um parceiro no Japão também a vender discos nossos.

Estavas a falar em parcerias e lembrei-me que vocês se associaram à editora independente inglesa Mr. Bongo, como apareceu essa oportunidade de venderem os discos deles no vosso site?

Quisemos associar-nos à Mr. Bongo porque no princípio da nossa editora tínhamos pouca oferta sem ser os discos do José Pinhal e do David e Miguel que rapidamente esgotaram, por esse facto adicionámos alguns produtos deles escolhidos por nós, sobretudo clássicos da música brasileira e do mundo lusófono para alargar o nosso inventário. Felizmente resultou muito bem esta estratégia e tornou-se um complemento mais atrativo para os nossos consumidores, por exemplo o disco dos Novos Baianos já esgotou.

Faz todo o sentido, reparei no verão passado fizeram um evento público da vossa editora, uma festa no espaço cultural do Maus Hábitos na vossa cidade do Porto. Pretendem voltar a repetir esse tipo de eventos no futuro?

Sim, sim, fizemos esse evento para termos as pessoas à nossa frente e desde o começo que queríamos fazer uma festa desse gênero. Os eventos são uma forma de diversificar a nossa rede, construir uma maior comunidade à nossa volta. Na altura não houve a hipótese de fazer concertos, por isso convidámos o nosso grande amigo Paulo Cunha Martins e fizemos apenas uma noite de DJ Set onde houve também alguns convidados como a Bruma, da Rádio Pérola Negra e a Phepz. Correu muito bem, tivemos quase 300 pessoas a dançar na sala até às 6h da manhã (risos).

Quando descobri o vosso projeto, associei imediatamente a vossa missão a uma editora que admiro bastante que é a Habibi Funk Records que contextualiza um pouco daqueles clássicos esquecidos árabes, da herança cultural e musical do médio-oriente e do Norte de África. Sentes que existem semelhanças ou pontos em comum entre ambas as editoras?

É, eu até fico lisonjeado com esse elogio. Acho incrível e faz sentido esse pensamento porque existe essa repartição geográfica da qual parte para vários caminhos. Se formos os discos da editora Habibi Funk têm uma diversidade grande. Em termos de linha editorial sentimos que podemos ir por vários caminhos diferentes, desde o contemporâneo David e Miguel ao legado do Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz. Essa designação geográfica é comum, a gente tenta fugir do conceito de que a “lusofonia” é a colonização, tentamos sim é dialogar, agregar e não dividir, sempre em conjunto entre as comunidades que tenham a língua portuguesa enquanto expressão musical.

De que forma é feita essa vossa preocupação para com o reduzir o impacto ambiental e ecológico do vinil e quais as linhas orientadoras sustentáveis que alicerçam o vosso clube?

Desde o começo da start-up tivemos uma mentora e avisou logo que se quiséssemos funding, teríamos de ter uma vertente sustentável no nosso projeto. Mas antes dela falar isso, já tínhamos essa preocupação, principalmente naquilo que diz respeito ao vinil não ser amigo do meio-ambiente. Então, a nossa ideia foi comprometermo-nos e implementar na medida do possível para reduzir esse impacto do vinil. Uma das possibilidades iniciais era prensar na Deepgrooves na Holanda que era uma prisão que virou uma fábrica de discos e que têm atualmente o processo mais sustentável na produção de discos de vinil do mundo.

No entanto apareceu o azar da guerra e da pandemia, complicando o tempo de produção e aumentou também os preços de produção. Ao mesmo tempo apareceu a nova fábrica de vinil Grama aqui no Porto que facilitou imenso a nossa vida em termos de produção e caiu como uma luva em termos logísticos. Ultimamente temos estado a estudar um pouco mais ativamente alguns parceiros na confecção de produtos que possam reduzir o impacto ecológico como o nosso tapete de cortiça reciclado para gira-discos e que aumentem também a nossa questão social.

Em termos de comparação como observam a tendência do vinil e de editoras de nicho como a vossa, ou seja, no fundo qual é o próximo passo que sentem que necessitam de dar?

Em termos de indústria, o vinil renasceu um pouco e voltou a ter muito valor por ser colecionável e muito aliado à experiência de ter o formato físico, sendo que as editoras de nicho acabam por fazer um trabalho muito importante que é evitar que a indústria seja totalmente pelas grandes editoras comerciais. Acredito que ainda haja espaço para crescer por existir um público que procura cada vez mais a qualidade e o fator diferenciador.

Qual tem sido o feedback dos vossos assinantes? Pensam até criar algum canal de comunicação através do discord ou telegram para consolidarem a vossa relação com o vosso público?

Em geral, os nossos assinantes comunicam connosco através das nossas diversas plataformas. Atualmente é um público que garante as nossas receitas dos discos, mas a ideia é que no futuro eles sejam os primeiros a receber notícias em primeira mão do nosso catálogo ou outro tipo de eventos. Em relação aos canais de comunicação já pensámos em criar porque através desses grupos vai trazer uma maior proximidade com a nossa comunidade, tornando-se a curto prazo uma mais-valia para ambos.

Estamos mesmo no final da nossa entrevista, para terminar gostava de saber se podiam desvendar algum projeto ou que discos têm na “calha” para o ano de 2023, se será algo mais contemporâneo ou de arquivo?

Vamos tentar sempre encontrar o equilíbrio entre as edições de arquivo e contemporâneas. Sabemos de antemão que as edições de arquivo dão mais trabalho em termos burocráticos, contudo temos em mente lançar mais uma fornada de discos. Posso dizer que o Volume III do José Pinhal é uma certeza para 2023.

Fotografia: Paulo Cunha Martins

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