Toada em entrevista: “Procuro sempre manter a sensação orgânica e imperfeita”

Toada em entrevista: “Procuro sempre manter a sensação orgânica e imperfeita”

| Fevereiro 2, 2023 3:17 am

Toada em entrevista: “Procuro sempre manter a sensação orgânica e imperfeita”

| Fevereiro 2, 2023 3:17 am

Toada é a identidade artística de Valdir da Silva, produtor português reconhecido pela sua estética elegante de eletrónica rítmica com um toque suave, incorporando uma ampla gama de influências. Valdir cresceu em Sintra e desde a adolescência que desenvolveu um interesse pela música e produção.

Acalenta é o segundo álbum do artista, onde a maioria das faixas foram criadas a partir de batidas eletrónicas com o propósito de definir o ritmo, enquanto sintetizadores adicionaram posteriormente as melodias reconfortantes características de Toada. Lançado pela sua própria editora, Plūma, na quinta-feira passada (26 de janeiro), é composto por 33 minutos de faixas profundas e complexas que visam uma experiência de audição revigorante.

Com o intuito de conhecermos melhor Toada, abordámos Valdir da Silva para uma breve conversa sobre o seu novo álbum, os artistas que mais o influenciaram, a sua vida em Berlim, entre outros temas.

De modo a iniciarmos esta entrevista, gostávamos de saber um pouco mais sobre o teu background. Quando é que a música entrou na tua vida? Qual foi o primeiro instrumento que tocaste?

Sou um produtor de música eletrónica da região de Sintra, mas estudei e vivi no centro de Lisboa desde jovem adulto. Estudei Produção de Áudio na ETIC e, mais tarde, Antropologia na Universidade Nova de Lisboa, mas não concluí por não me sentir completamente identificado com o curso. Em seguida, estudei Publicidade Criativa. A música entrou cedo na minha vida, comecei a ter aulas de guitarra elétrica aos 13/14 anos e continuei por alguns anos, o suficiente para desenvolver habilidades melódicas que ainda aplico de forma instintiva. Nos anos 2000, tive outro projeto com um amigo da época, que foi fortemente inspirado pelo trabalho dos Neptunes, Chad Hugo e Pharrell Williams.

Após integrares diversos projetos musicais entre Lisboa e Berlim, decidiste lançar-te como Toada em 2015. Como surgiu Toada e qual o origem do nome?

O desejo de criar este projeto surgiu no final de 2014, início de 2015, durante uma época em que ainda não havia clareza sobre onde iria morar, se ficaria em Lisboa ou mudaria para Berlim definitivamente. Enquanto estava nessa incerteza, comecei a criar uma coleção de músicas que viriam a ser meu primeiro EP, Escapista. Quando procurava uma editora para o EP, senti a necessidade de ter um nome apropriado. Abri um dicionário e deparei-me com a palavra “Toada”, que imediatamente me chamou a atenção devido ao seu significado sonoro, mas também pela sua interpretação figurada mais ampla e relacionada à forma como nos comunicamos uns com os outros.

Que artistas te influenciaram a querer ser produtor?

No final década de 90, bandas como Portishead, Massive Attack, Smith & Mighty e Silent Poets apresentaram-me ao som eletrónico. Entretanto, foi a influência dos Neptunes que mais me marcou, especialmente na noção do que é ser um produtor moderno. Ao aprofundar-me na música eletrónica, artistas como Aphex Twin e Mathew Herbert tiveram uma grande influência em mim, mas foram Jacques Greene e John Talabot que me inspiraram na criação de Toada.

Atualmente, sou fã de Four Tet, um produtor admirado entre muitos outros. Vê-lo ao vivo é algo excepcional, a forma como ele constrói tensão e usa melodia é única. É um universo imenso e muito próprio que ele tem vindo a construir através da sua longa discografia. Também gosto muito do Otik, produtor cada vez mais preciso e com sua identidade musical própria. Gostaria muito que ele fizesse um álbum e começasse a tocar ao vivo também, e não apenas em formato DJ. A Loraine James é incontornável na música eletrônica livre e sem preconceitos estilísticos. Vi-a ao vivo no Gretchen, em Berlim, e foi mesmo muito bom. Captura perfeitamente a diversidade da cena urbana em Londres. O John Beltran é outro produtor relevante e atual há muito tempo. E, claro, não posso deixar de mencionar o incontornável Skee Mask.

 

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O teu primeiro EP, Escapista, data de 2016. Desde essa altura lançaste vários EPs, o teu álbum de estreia, Cambiante, e agora surges com o fresquíssimo Acalenta, todos editados pela tua própria editora, Plūma. Podes falar-nos um pouco mais sobre este novo registo e do seu processo criativo?

Eu lancei o meu primeiro EP, Escapista, através da Container, uma editora baseada em Porto/Hamburgo que já não existe. Artistas como Trikk e Shcuro também foram lançados por lá.

No meu novo álbum, parte significativa originou-se numa noite em janeiro de 2022 (ou pelo menos a estrutura das músicas). Os ritmos de “Agridoce”, “Vitamina D” e “Odeceixe” foram criados na minha drum machine, Dave Smith Tempest. Eu tinha acabado de mudar para uma nova casa e ainda não me tinha ambientado ao meu novo home studio, então decidi levar a drum machine para a sala e foi aí que surgiram os primeiros sinais de Acalenta.

Em geral, o meu processo criativo é bastante simples. Raramente me lembro como as ideias surgem, é tudo feito de maneira muito subconsciente. É como se eu fosse um veículo para algo que me transcende e toma conta de mim. Não tenho noção do tempo, estou no fluxo da coisa e sigo os meus instintos. Deixo a complexidade e os arranjos para uma fase posterior, quando me preocupo mais com a mistura. Mas procuro sempre manter a sensação orgânica e imperfeita. Quero que as pessoas saibam que é Toada e não apenas mais uma faixa genérica que se ouve por aí. Acho que só com essa imperfeição é possível mostrar o lado humano da música eletrónica, é como uma impressão digital, só posso ser eu.

Em relação ao meu processo criativo de forma mais técnica, uso um sistema híbrido. Utilizo o Ableton para gravar os meus improvisos com sintetizadores, como Sequential Prophet 5 e Korg Minilogue XD, e drum machines como a Dave Smith Tempest. Tenho uma seção do estúdio exclusiva para sets ao vivo, onde uso samplers Elektron Octatrack e Pioneer SP16. Ambos combinam incrivelmente bem e dão muito caráter ao meu toque ao vivo, porque preciso superar as suas limitações e, acima de tudo, porque gosto muito do crossfader do Octatrack e dos pads de bateria do Pioneer. Acho que isso dá outra dimensão ao vivo e acredito que as pessoas sentem que estou a adicionar algo visível e reconhecível como instrumento, mas ao mesmo tempo algo que torna as músicas diferentes da versão original gravada. Quando crio algo interessante nessa seção de estúdio gravo no modo jam, muitas vezes diretamente das saídas estéreo da minha mixer PlayDifferently. O som é incrível e a função drive é fantástica.

A faixa “Agridoce” foi uma das que mais despertou a nossa atenção, com uma progressão linear segura e inabalável. Há alguma mensagem por detrás que possas partilhar?

Como mencionei na resposta anterior, “Agridoce” surgiu numa noite em que eu criei vários ritmos que formaram algumas das músicas do álbum. Sem entrar em detalhes, posso dizer que quando criei essas músicas estava bastante frustrado porque uma editora americana com a qual estava a negociar para lançar meu EP Instante a Fluir decidiu parar de responder aos meus emails, o chamado “ghosting”. Essa editora iria lançar o meu EP, houve promessas por um ano, mas ignoraram-me completamente, perdendo muito do meu tempo. Após ficar cansado de esperar tanto tempo e ser ignorado, criei Acalenta. No final, posso dizer que foi melhor não ter lançado aquele EP com aquela editora e que essa frustração temporária resultou neste meu novo álbum, do qual tenho muito orgulho. Então, não posso reclamar.

Em 2018 decidiste criar a Plūma. Quais têm sido até agora as dificuldades de ser um artista completamente DIY enquanto te tentas manter criativo?

Eu criei a Plūma porque senti que estava a ser ignorado pelas editoras às quais enviava as minhas demos. A solução mais lógica para mim foi criar uma plataforma para lançar as minhas músicas. Acredito que essa é a maneira ideal de construir o universo musical Toada sem influências externas e sem compromissos. Tenho liberdade total e controlo completo sobre todos os aspectos criativos da minha música. Embora seja um desafio, a cada lançamento aprendo mais sobre a indústria musical e isso tem me permitido progredir aos poucos.

Em retrospetiva, de 2015 até ao presente, como avalias a tua evolução como artista?

A característica que se mantém desde 2015 até hoje é a minha honestidade comigo mesmo. Por isso, acredito que criei um som que é reconhecido como o som de Toada desde o meu primeiro EP. Embora haja variações estilísticas leves, acho que sempre houve uma coesão sonora neste projeto.

 

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Vês a tua música mais compatível com o cenário clubbing e de pistas de dança, ou algo mais virado para a quietude e introspeção de, por exemplo, instalações artísticas? Ou ambas?

Eu sinto que a minha música se encaixa mais no cenário pós-clubbing, como quando estás a voltar para casa, a viajar para o trabalho ou escola. Acho que a minha música é mais eficaz quando há movimento, é propícia para introspecção mas sempre móvel. Talvez isso seja baseado na minha realidade atual, já que eu saio menos à noite do que antigamente. No entanto, já ouvi que algumas de minhas músicas também funcionam em pistas de dança. As versões das músicas que crio para sets ao vivo são mais poderosas e o cenário é mais adequado a um concerto, e é aí que eu me sinto em casa e mais próximo da minha realidade atual.

Como é que divides o teu tempo entre Lisboa e Berlim, como funciona essa gestão?

Eu vou a Lisboa algumas vezes por ano, principalmente para ver a minha família. Este ano, planeio ficar lá por mais tempo para me reconectar com a cena cultural da cidade. Sinto falta disso! Berlim é minha base desde 2015 e tenho uma grande paixão por essa cidade. Berlim tem sido uma fonte constante de inspiração para a minha música.

Podemos esperar concertos de apresentação de Acalenta no nosso país?

Gostaria muito de fazer um concerto em Portugal este ano. Tocar ao vivo faz-me sentir em casa e eu realmente desfruto de compartilhar com o público uma dimensão adicional da minha música. Procuro sempre criar uma dinâmica entre intensidade e calma, e preocupo-me com a forma como as músicas se conectam umas às outras, como se misturasse como um DJ. Estou a trabalhar para apresentar Acalenta ao vivo em breve, estou aberto a ofertas. Fiquem atentos ao meu Instagram e ao meu Bandcamp, onde sempre atualizo as novidades. Obrigado!

 

Entrevista por Rui Gameiro e Tiago Farinha

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