shame. A essência contundente e madura que assolou o LAV
shame. A essência contundente e madura que assolou o LAV
shame. A essência contundente e madura que assolou o LAV
O LAV – Lisboa ao Vivo – recebeu no passado sábado o regresso dos britânicos shame. Após duas atuações em festival – Milhões de Festa em 2017 e Super Bock Super Rock em 2019 – o quinteto londrino estreou-se em nome próprio no nosso país, algo que Charlie Steen, vocalista e líder da banda, fez questão de ressalvar um par de vezes ao longo da atuação.
Motivados pelo lançamento de Food for Worms, o seu mais recente registo de estúdio, editado nos últimos metros de fevereiro com o carimbo da Dead Oceans, a banda aventurou-se numa tour repartida pelo Reino Unido e por diversos países europeus, fazendo-se acompanhar pelos They Hate Change.
A dupla de produtores e rappers oriunda de Tampa, Florida, formada por Vonne Parks e Andre “Dre” Gainey subiu a palco à hora prometida (21h00), com indumentária a combinar. Também eles em modo regresso, após uma passagem pela última edição do Super Bock em Stock, trouxeram consigo Finally, New, registo de estreia que chegou no ano passado sob a tutela da Jagjaguwar.
Hip hop de toada experimental, por vezes de influências hardcore, embebido em ritmos Drum and Bass, Jungle, Footwork, homenageando simultaneamente os estilos locais Tampa Jook e Miami Bass, os They Hate Change transportam-nos diretamente para a pista de dança. Não são pioneiros nesta matéria, mas conseguem definitivamente construir uma ponte estilística entre a Florida e o Reino Unido, recorrendo aos seus beats inquietos, impetuosos, sincopados e atmosféricos, e foi assim que contagiaram a audiência, que ainda se apresentava pela metade.
Ao longo de mais de meia hora o duo interpretou temas como “Breathing”, “Who Next?”, entre outros mais vorazes e de postura por vezes punk, revelando como seus maiores trunfos a cumplicidade e o modo naturalmente hábil e despreocupado como proferiam as rimas. O público não se inibiu de gingar ligeiramente à medida que os BPMs iam subindo, aquecendo as articulações para a onda libertária que iria rebentar de seguida com os britânicos. A única falha que se pode elencar nesta atuação foram as condições sonoras a que fomos sujeitos, muito por culpa do bass abafado que se fazia sentir. Um concerto em nome próprio dos They Hate Change, é tudo o que pedimos num futuro próximo, bem merecem.
Ainda que no alinhamento figurassem dois conjuntos estilisticamente díspares, a energia e as atitudes manifestavam-se completamente alinhadas.
Eis que às 22h, e já com casa perto de cheia, surgiu em palco um dos atos mais estimulantes e indissociáveis da cena atual de pós-punk que tem assolado o Reino Unido pós-Brexit, a par de Black Country, New Road, black midi, Squid e Dry Cleaning, numa vertente mais vincada na imediatez e não tanto no experimentalismo que fortemente carateriza os nomes anteriores.
Foi ao som de “Alibis” que os shame se fizeram escutar pela primeira vez naquela noite, tema que se sente muito mais pujante na sua versão ao vivo. Findado o primeiro tema, Charlie Steen exclama a sua apreciação por estar perante um público tão devoto: “We’re gonna have a beautiful Saturday”. Seguiu-se mais um tema de Food for Worms, desta feita o single que acompanhou o anúncio do seu lançamento, “Fingers of Steel”, que melhor descreve o que se pode esperar deste novo trabalho da banda: um disco ansioso, cru, saudoso, uma maturação da sua sonoridade, cada vez mais melódica, e da sua capacidade de escrever canções marcantes, sem descurar a essência contundente dos dois primeiros registos.
A primeira incursão em Drunk Tank Pink (2021) – um dos melhores lançamentos de 2021 para a nossa redação – é feita a partir de “Water in Well”. A consonância que nos chegava aos ouvidos era irrepreensível e límpida, exponenciando a experiência dos presentes. Desse mesmo disco foram também interpretadas “Born in Luton” e “Snow Day”, duas das melhores composições da banda e, consequentemente, dois dos momentos altos da noite. Condensadas num jogo de guitarras que acrescenta ainda mais peso à banda, os shame surgem aqui no seu máximo potencial, suportados pelo baixo de Josh Finerty e a bateria de Charlie Forbes.
Como seria de esperar, a noite revolveu em torno de Food for Worms. Músicas como “Six-Pack” provocaram uma rebelião total no público que, entre empurrões e demonstrações de carinho pela banda, carregou um Charlie já sem camisa. O tumulto deu lugar a temas mais reflexivos como “Orchid”, ornamentado pela guitarra acústica, “Yankees”, em que são inegáveis as influências de Pavement, e “Adderall”, um lamento que se tornou numa espécie de novo hino da banda, entoado a plenos pulmões pelo público.
Songs of Praise (2018) foi igualmente destacado ao longo do concerto, tendo sido reservado para os últimos momentos. Faixas como “One Rizla”, “Friction” e “Angie” ajudaram o público a purgar as suas últimas energias.
Despediram-se com um “we’ll be back”, um aportuguesado “muito obrigado” e as habituais, mas sinceras, juras de amor perante uma plateia que respondeu a todos os apelos da banda.
Fotografia: Nuno Alexandre