Micro Audio Waves em entrevista: “Glimmer é uma ideia de escolha, de poder voltar ao início, repensar e refletir”

Micro Audio Waves em entrevista: “Glimmer é uma ideia de escolha, de poder voltar ao início, repensar e refletir”

| Fevereiro 27, 2024 11:20 pm

Micro Audio Waves em entrevista: “Glimmer é uma ideia de escolha, de poder voltar ao início, repensar e refletir”

| Fevereiro 27, 2024 11:20 pm

Os Micro Audio Waves estão de regresso com Glimmer. Depois de romperem 13 anos de silêncio com o novo single “Liquid Luck”, o novo trabalho, Glimmer, volta a reunir Cláudia Efe, Flak, C.Morg e Francisco Rebelo sob o mesmo teto artístico.

Eternamente sofisticados e em sintonia com o ar dos tempos – tanto em termos humanos como tecnológicos – os Micro Audio Waves entregam-se em Glimmer, mais que nunca, aos desafios atuais da ecologia, das polarizações e dos limites da inteligência artificial, do machine learning e big data.

Glimmer é também um extravangante espetáculo musical, performático e multimédia, pensado e construído em conjunto com Rui Horta, respeitado coreógrafo e cúmplice bem conhecido da banda, com quem colaboraram em Zoetrope no ano de 2009. Ao vivo, a banda e o coreógrafo serão acompanhados pela prestigiada bailarina e coreógrafa Gaya de Medeiros, numa performance em que os figurinos foram idealizados pela estilista Constança Entrudo.

Em conversa com Claúdia Efe e Flak, ficámos a conhecer um pouco melhor o que motivou o reencontro dos Micro Audio Waves, o novo disco e espetáculo Glimmer e a colaboração com o velho amigo da banda, o coreógrafo Rui Horta.

De modo a iniciarmos esta entrevista, gostaria de saber como foram os primeiros espetáculos de apresentação de Glimmer em Aveiro.

Flak (F) – Foram ótimos.

Cláudia Efe (CE) – Correram super bem. É sempre inesperado, apesar de trabalharmos todos para que tudo corra bem. Ainda assim, quando tudo corre bem, conseguimos ficar agradavelmente surpreendidos. A estreia em Aveiro foi fantástica. Foi a primeira vez que fizemos muitos espectáculos corridos sem público, não é? Portanto, estivemos sempre a fazer este espectáculo durante muito tempo e de forma diária, no silêncio, e de repente, termos o público era mesmo o que faltava. E sentimos essa diferença, foi muito incrível ouvir as reações, sentir as reações. Foi muito bom mesmo.

Então, diria que foi um bom arranque do vosso espetáculo, desta tour. Começaram com o pé direito e vocês já não tocavam ao vivo há coisa de uns 10, 11 anos, creio. Eu li numa entrevista que o último concerto que vocês tinham dado até tinha sido no Metro, na Baixa Chiado.

CE – Exato.

F – Fizemos o CCB e a Baixa Chiado nessa altura. Já não me lembro qual foi o último, é capaz de ter sido realmente.

Falei em concerto mas seria mais adequado falar em performance porque isto não é apenas um concerto, é muito maior do que isso. Como tem sido até agora a reação do público a este vosso regresso e ao lançamento de um novo disco?

F – A reação do público, para nós, até foi surpreendente, porque nós não estávamos à espera que, a meio do espetáculo, houvesse palmas e houvesse as pessoas a rirem, a interagir, porque fizemos o espetáculo de maneira a haver sempre ligações e não haver silêncios, de maneira a ser um contínuo, e estávamos à espera que as pessoas só reagissem no fim. Mas o que é facto é que reagiram a meio, para nossa surpresa, e foi ótimo porque estavam a gostar e estavam a vibrar com aquilo que nós estávamos a fazer, foi muito importante para começar.

O vosso disco saiu há coisa de?

F Saiu no mesmo dia do primeiro espetáculo, saiu no dia 2 de fevereiro.

Exato. E o público, as pessoas já vieram falar com vocês a dizer, a dar a opinião, o que é que gostaram mais, o que gostaram menos, algum feedback do outro lado?

F – O nosso primeiro single, “Liquid Luck”, teve uma ótima reação, mas também, se calhar, era para as pessoas o único tema que conheciam do novo trabalho.  Mas, de resto, a reação foi ótima de modo geral. Este disco tem muitos contrastes, portanto tem músicas muito diferentes e com isso conseguimos fazer uma sequência muito interessante de espetáculos, exatamente também porque a música pode-nos levar em várias direções. Podemos fazer algumas encenações diferentes e utilizar ambientes mesmo muito diferentes e muito contrastantes.

CE – Hoje em dia recebemos mais o feedback através das redes sociais, do Instagram e temos aí também sido muito bem recebidos. Muita gente a tagar as músicas, a ouvirem no carro, a colocarem o disco nos gira-discos, portanto, tem sido bem visível e é fantástico, depois deste tempo todo. Parecer que nunca estivemos ausentes, é muito incrível.

Micro Audio Waves

João Duarte ©

Ainda bem, fico muito contendo por vocês. São uma banda, principalmente na altura do Zoetrope, que eu ouvi bastante e conheci pela Antena 3. E até fiquei com um pouco de inveja de não vos ter visto ao vivo nessa altura. Ainda era novinho e não ia assim a muitos concertos. Mas de certeza que agora com o Glimmer, de certeza que vos vou ver ao vivo.

É inevitável não falar nisto, mas o que é que vos motivou a unirem-se novamente após 13/14 anos de ausência? Houve algum momento que impulsionou essa reunião?

CE – Na realidade nunca nos desunimos, não é? Nunca houve uma desunião, não é?

Sim, por isso é que até disse “ausência” e não “separação”, porque foi mais “no news”.

CE – Sim, nós continuamos a fazer coisas, a estar juntos, a querer estar juntos. O confinamento foi o momento em que, de alguma forma, estivemos todos com muito mais tempo e muito mais disponíveis para estarmos juntos, sem ser em partes, não é? Tipo, ou o Flak e eu, ou eu e o Carlos, ou o Carlos e o Chico, ou o Carlos e o Flak. De repente tivemos tempo para estarmos os quatro juntos e decidirmos que iríamos avançar.

Sentiram que tinha chegado o momento para, depois daqueles anos todos…

F – Sim, sabíamos que em alguma altura havia de acontecer, aliás porque tínhamos algum trabalho a meio ainda a fazer. Sabíamos que algum dia havíamos de completar, não sabíamos era quando, que também a pandemia deu tempo para toda a gente assentar um bocado e ter tempo para começar a passar nessas coisas.

De 2009 até agora, e comparando também com registos anteriores como No Waves (2004) e Odd Size Baggage (2007), como sentem que evoluiu a vossa sonoridade? Podem até sentir que não evoluiu mas gostava de ter a vossa perspetiva na sonoridade ao longo da vossa carreira e, particularmente, nesta fase, entre 2009 e agora, que foi a vossa ausência mais prolongada.

F – Quer dizer, o nosso trabalho desde 2004, que foi o primeiro disco com a Cláudia, o No Waves, até 2009, acho que teve uma grande evolução porque nós trabalhamos muito, tocamos muito ao vivo, podíamos experimentar as novas músicas ao vivo. Muitas músicas que nós tocávamos ao vivo, no fundo eram work in progress, eram músicas que não estavam prontas e nós podíamos experimentar ao vivo essas músicas, essas canções de maneira a depois, em estúdio, podermos ir trabalhando e fazendo com que elas se tornassem mais interessantes, mais sólidas. E, portanto, eu acho que houve uma grande evolução entre 2004 e 2009, a banda cresceu muito.

Depois do Zoetrope, se calhar sentimos um pouco aquele cansaço de termos crescido muito e termos feito um espetáculo com condições ótimas que nunca tínhamos tido, se calhar na vida, a possibilidade de fazer. E entrámos um pouco na ressaca desse trabalho todo, desses anos de trabalho muito, muito intenso. Sentimos que, se calhar, naquela altura não conseguiríamos ultrapassar o Zoetrope e isso criou-nos uma certa frustração. Isso também, eu acho, foi uma das razões que fez com que nós, naquela altura, tivéssemos arrefecido um bocadinho o nosso ritmo de trabalho, o nosso ímpeto, e tivéssemos feito esta pausa.

Agora, no fundo, é o retomar do trabalho com outras perspetivas. Entretanto as coisas mudaram, aquilo que era novidade há 20 anos agora já não é e, portanto, temos que arranjar novos caminhos, novas perspetivas para o trabalho.

É que Glimmer soa a um disco bastante contemporâneo, ou seja, vocês tiveram sem compor ou mesmo tendo composições incompletas, o que eu sinto é que o disco se compara aos outros trabalhos que saem em 2024 ou mesmo de anos anteriores, sinto que é bastante atual, mesmo a nível de sonoridade. Não soa datado de maneira nenhuma, acho que vocês conseguiram, mesmo tendo regressado, conseguiram trazer um som atual, o que é sempre de louvar, na minha opinião.

F – As composições em si, as canções em si, que são interessantes, que são boas, são intemporais. Nós tivemos depois o cuidado de pegar nessas ideias que tínhamos e atualizá-las, dar um som recente, mais moderno, porque entretanto, em 10 anos, a tecnologia evoluiu imenso.
Portanto, nós tivemos acesso a outros sons, a outros métodos de trabalho e, no fundo, foi pegar nessas ideias que já tínhamos e atualizá-las, houve esse trabalho. Foi um trabalho profundo. Tivemos um ano a trabalhar já essas canções que já existiam, de alguma forma.

CE –  Mas de qualquer forma, Rui, é um grande elogio que nos dás (risos). Concordo também contigo. Sim, de facto o trabalho é bastante válido e atual e também foi uma das razões que nos levou a voltar, não é? Já tínhamos aqui um belo conjunto de trabalho acumulado, que valia muito a pena e que nós considerávamos que era atual e que fazia todo o sentido estar a editar e a trazer volta.

Diriam que a vossa forma de existir enquanto banda e organismo criativo se alterou de algum modo nesse tempo que não estiveram juntos?

F – Entrou o Chico Rebelo para a banda, por exemplo. E tem sido super útil neste espetáculo do Glimmer, com seus conhecimentos de eletrónica.

CE – Essa, de facto, foi a grande diferença. E, de resto, também estamos todos um pouco mais maduros na forma como trabalhamos, como nos relacionamos, como nos relacionamos com aquilo que imaginamos e queremos para o trabalho e, da forma como anunciamos isso. Nós já éramos rápidos a trabalhar e a criar coisas. Acho que agora ainda estamos mais, mas acho que é a única diferença que eu noto, para além obviamente do Chico, que mudou e alterou muita coisa, mas sempre no sentido de nos tornarmos mais rápidos e mais ricos também na criação.

Micro Audio Waves

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Regressando agora a Glimmer, cujo título nós podemos traduzir como “brilho”, entre outros sinónimos, e olhando também para o grafismo, para a sonoridade e para alguns títulos de canção, parece-me que Glimmer soa a um disco particularmente otimista, um pouco em contraponto com os tempos sombrios que temos vivido e os tempos que se avizinham. Era essa a energia que vocês pretendiam transmitir aos ouvintes e aos espectadores?

CE – Eu acho que era principalmente a energia com que nós estávamos, não é? Vínhamos também deste intervalo que fizemos do Zoetrope e,
algumas coisas que criámos logo nessa altura e que estão no disco são otimistas, porque nós vínhamos também ali de um Zoetrope um pouco mais escuro. Acho que nós queríamos fazer uma coisa mais leve, uma sonoridade mais leve, letras mais leves, mais otimistas, um pouco mais abertas, menos suturnas, talvez. Não achas, Flak?

F – Sim, eu acho que nós quisemos fazer isso como contraste na altura ao Zoetrope, mas 10 anos depois, torna-se um pouco irónico, porque nós pegamos nessas canções que foram feitas nesse espírito numa fase do mundo muito estranha e muito negativa, mas o que é facto é que na história da humanidade há sempre períodos que são os períodos negros. Tivemos períodos sempre de grandes civilizações e grandes decadências e estamos num período que é estranho. Isto há de ir dar a algum lado. Agora vai ser uma incógnita saber quanto tempo essas trevas vão durar. Mas nós temos a certeza que no final há de haver outra vez um período em que a humanidade se recompõe, volta a ser solidária e volta a ter brilho. Isso é um pouco por aí, mas nesse aspecto o Glimmer tem um lado também um pouco irónico, tem um lado um pouco de esperança para o futuro, mas ao mesmo tempo com a consciência que teremos muito que lutar para lá chegar.

CE – Sim, é um espelho. Nós não criamos propriamente para um público, não é? Sabemos que, de alguma forma, num momento de criação,
as primeiras pessoas que têm que estar bastante agradadas com aquilo que se está a fazer somos nós, somos os primeiros que estamos a ouvir, que estamos a fazer, que estamos a imaginar e a fantasiar sobre aquilo que está a acontecer no momento de criar. E, obviamente, quando escolhemos as canções são aquelas que mais nos agradam, aquelas que nós achamos que queremos trabalhar nelas, queremos continuá-las. E calhou de facto ser este lado mais luminoso a brilhar aos nossos ouvidos.

E eu acho que isso depois vai espelhar também um bocadinho os momentos em que as pessoas estão, porque nós não somos pessoas diferentes das outras e estamos a viver no mesmo mundo que toda a gente, não é? E sentimos as mesmas coisas, por isso quando fazemos qualquer coisa e alguém se relaciona é natural. E estas nossas fases vêm um pouco também em reação àquilo que gostamos de viver.

Uma canção que me chamou particularmente à atenção foi “Bending Time”. Acho que é uma canção essa que capta eficazmente o vosso lado mais sonhador. Curiosamente esta minha perceção parece ir ao encontro das afirmações de Rui Horta numa entrevista que li em que ele afirma que o espetáculo procura ser: “uma espécie de pirilampo no escuro que nos faz sonhar e nos desperta”. Achei muito curiosa esta afirmação e pegando aqui neste lado sonhador e nesta integração também com o Rio Horta, gostava de saber como é que funcionou o vosso processo criativo em torno de Glimmer.

CE – Do espetáculo?

Se calhar aqui não entraria tanto na parte do espetáculo, mas mais na parte da composição das canções, mas claro que podemos também falar do espetáculo.

CE – Sim, sim, sim. Mas então falamos primeiro da composição, não é Flak?

F – Na altura, parte destas canções, aliás a maior parte delas datam de 2012, 2013, foi a seguir a tournée do Zoetrope que nós começamos a compor canções novas e nessa altura houve mesmo essa necessidade de nós mudarmos um pouco o nosso método de trabalho. Nós até ao Zoetrope a maior parte dos temas eram feitos a partir de improvisações. Nós íamos para o estúdio, fazíamos improvisações coletivas e a partir daí extraíamos aquilo que nos interessava dessas improvisações para criar temas e para criar canções. No Glimmer, tentámos ter um trabalho mais de composição, de songwriting, mais tradicional. Canções que tivessem um refrão, aquela estrutura mais tradicional de canção. E trabalhámos um pouco nesse aspeto, que era uma coisa que era novidade para nós. E, por outro lado, com esse cuidado das músicas soarem um pouco mais leves, com letras mais positivas, mais luminosas.

Mas o que é facto é que essas canções ficaram mais ou menos paradas na altura e o facto também de nós termos escolhido o nome para o disco e o nome para o espetáculo, Glimmer, teve a ver um bocado com o material que nós tínhamos, porque no fundo, o Rui Horta quando ouviu o disco gostou muito. A partir daí começámos a cria um conceito e uma narrativa a partir das canções que tínhamos. As canções começaram por canções individuais, por elementos individuais. Elas todas juntas acabaram por sugerir uma história, um guião que nós fomos desenvolvendo. E esse guião tem esse lado luminoso. Acho que é um disco mais luminoso.

Falando de novo em Rui Horta, o coreógrafo com quem vocês colaboraram na altura do Zoetrope, eu acho que com a pergunta anterior vocês já me responderam, mas o que acabou por surgir primeiro foi o disco e depois a ideia de criar um espetáculo, correto?

CE – Correto, portanto nós estávamos com o disco completo e queríamos obviamente, com a edição do disco, voltar a uma digressão, a dar espetáculos. Estávamos tão contentes com o resultado do disco, das canções, de toda a produção que houve à volta da sonoridade, que não tínhamos vontade de voltar a um formato normal de concerto, ainda por cima quando hoje a imagética é tão importante para contar aquilo que é uma canção ou que é uma banda em palco. E sentimos essa necessidade de trazer também algo, de acrescentar algo também num espetáculo ao vivo. Ou seja, que a coisa não ficasse pelo disco ou só um disco muito bonito, muito bem construído, com uma boa sonoridade, todo o amor que nós lá colocámos e, de repente, irmos para um palco e sermos só os quatro ali em cima. Não que isso não seja de valor, mas queríamos, de facto, criar um objeto que continuasse o disco e não que ficasse só no disco.

E aí surgiu o nome do Rui, porque tínhamos tido essa experiência com o Zoetrope, correu super bem a todos os níveis. E resolvemos desafiar o Rui já com as músicas, andámos a assediá-lo durante um tempinho. E lá cedeu às nossas vontades, não foi assim muito complicado. Foi muito bom também, depois de ter o entusiasmo e o retorno dele, porque também foi assim a primeira pessoa a quem nós mostrámos as músicas, as letras, tudo aquilo que pensávamos do disco, portanto também foi ótimo o primeiro feedback ser o dele e também ser um feedback entusiasta e cheio de força, cheio de energia. E aí ficou fechado a ideia de fazermos um espetáculo à volta daquelas canções e à volta daquilo que elas nos traziam.

Micro Audio Waves

João Duarte ©

Sentem que o espetáculo pode alterar significativamente a maneira de sentir Glimmer e que apenas a audição das canções torna a experiência incompleta? Não sei se isto é um raciocínio muito correto, mas se calhar Glimmer funcione melhor como um todo.

F – Acho que nesta altura, depois de tanto trabalho que nós tivemos e estarmos tão imersos no trabalho, já é difícil nós próprios separarmos.
É mais fácil outra pessoa sentir isso do que nós, porque no fundo nós já integramos estas canções no espetáculo e já estamos um pouco condicionados com isso. Acho que é uma pergunta mais fácil de pôr a uma pessoa que veja o espetáculo e oiça o disco que a nós próprios.

CE – Sim, fica complicado para nós dizermos. A nossa ideia era também criar dois objetos que tivessem uma relação, mas que pudessem viver um sem o outro. Ou seja, uma pessoa que vai ver o espetáculo, pode ficar imerso no espetáculo, adorar e depois ter uma experiência diferente com a música , ou a pessoa que comprou só o disco e não for ouvir o espetáculo. Quantas vezes isso não acontece, não é? Nós ouvimos muita música e nem sempre vemos os espetáculos ao vivo desses artistas, e às vezes nem ouvimos os álbuns inteiros. Portanto, a nossa relação com a música também é um pouco diferente e daí também insistirmos que o espetáculo fosse também algo diferente.

No espetáculo também temos muitos momentos musicais que não estão no álbum. Precisamente porque queríamos que houvesse essa diferença entre um objeto e o outro. E também para que as coisas se completassem, se relacionassem. Agora, as pessoas vão se relacionar de uma forma muito particular que já não esperamos muito bem, nem sabemos muito bem como. Esperamos sempre que as pessoas tanto oiçam a música como também queiram ir ao espetáculo. Isso é o melhor dos dois mundos, não é?

A experiência completa, basicamente. Tenho só mais uma pergunta para vos fazer. Uma das matérias retratadas em Glimmer são os limites da Inteligência Artificial (IA). Vocês acreditam que a IA pode desempenhar um papel útil e auxiliar na composição, ou a preocupação com o fator ameaça é algo mais forte? Faço esta pergunta porque alguns artistas já recorreram à IA para criarem discos altamente desafiadores, a título de exemplo, não sei se conhecem,
mas Holly Herndon em 2019 lançou um disco de nome Proto em que basicamente recorre a bastante IA para modular a voz dela. Resulta bastante bem e até saiu numa altura em que praticamente não se falava de IA como se tem falado neste último ano.

CE –  Olha, eu não conhecia esse disco e agora já estou aqui “viva a tecnologia”. Já estou aqui com o Spotify (risos)

F – Eu também estou curioso. Eu conheço discos da Holly Herndon mas não sabia.

CE – E ainda por cima para modificar a voz, acho ainda mais interessante. Já estou aqui, já fiz um grande print screen.

F – Em relação a isso, como me parece, toda a tecnologia que foi inventada até hoje muitas vezes foi feita com bons propósitos, com a intenção de ajudar a vida das pessoas, mas há sempre maneira de pegar em qualquer tecnologia, subvertê-la e transformá-la numa coisa má. Isso acontece com as redes sociais, acontece recentemente, mas sempre aconteceu. E no caso da IA, acho que é exatamente a mesma coisa. Muitas das consequências daquilo que está a acontecer agora e das coisas mais negativas que estão a acontecer agora teve a ver exatamente com a manipulação de tecnologia que foi inventada com bons propósitos. Portanto, não sei. Acho que o exercício artificial vai ser como todo o resto, vai ser seguramente usado para coisas muito boas e positivas, na arte, na saúde, por aí fora, mas vai nos dar problemas, evidentemente, porque isso faz parte da condição humana.

CE – Não me preocupa muito a IA em relação às artes. Eu acho que os artistas vão ser sempre os artistas e vão sempre usar a tecnologia a seu o favor. E vai haver sempre bons artistas, maus artistas e artistas assim e assim. E aí não me preocupa. É mais preocupante quando temos sistemas de vigilância que podem ter acesso a IA e de repente, estarem associados a governos autoritários. É a parte que assusta, mas por isso é tão importante ouvir música, ver cinema, ler livros, atualizarmo-nos, informarmo-nos, para também começar a ter políticos melhores e eleitores melhores. No fundo, Glimmer é uma ideia de escolha, não é? De um estado inicial onde tudo é uma centelha, um início de qualquer coisa e onde a escolha tem esse poder, ou seja, de voltar ao início, de voltar atrás, de repensar, de refletir e de fazer novas escolhas e melhores escolhas.

É uma ótima mensagem para terminar a entrevista, gostei muito dessa maneira de ver Glimmer. Cláudia e Flak, muito obrigado pela vossa disponibilidade, pela conversa.

F – Obrigado.

CE – Obrigada, Rui.

Foi bastante agradável. E resta-me desejar-vos um bom concerto, não é? Vocês vão agora ter já um concerto em Ourém no próximo fim de semana. Que corra bem!


Datas da digressão nacional de Glimmer:

2 e 3 FEV – Teatro Aveirense

17 FEV – Teatro Municipal de Ourém

24 FEV – CCC Caldas da Rainha

1 e 2 MAR – Teatro Viriato (Viseu)

09 MAR – Centro Cultural Vila Flor (Guimarães)

15 JUN – Teatro José Lúcio da Silva (Leiria)

12 OUT – Centro Artes de Águeda

19 OUT – Casa das Artes Famalicão

26 OUT – Cine-Teatro Curvo Semedo(Montemor-o-Novo)

31 OUT – Casa da Música (Porto)

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