800 Gondomar em entrevista: “A nossa banda sempre viveu bué do contacto com o público”
800 Gondomar em entrevista: “A nossa banda sempre viveu bué do contacto com o público”
800 Gondomar em entrevista: “A nossa banda sempre viveu bué do contacto com o público”
Após um hiato de 6 anos desde o seu último lançamento, 800 Gondomar regressaram com o álbum São Gunão, 11 músicas que retratam Rio Tinto como apenas este trio consegue fazer.
Editado digitalmente e em formato vinil a 4 de março, São Gunão reflete o crescimento da banda, sempre de tonalidades garage e lo-fi, mas agora um pouco mais polidas. Algumas das faixas já tinham sido reveladas nas atuações frenéticas do trio em Fafe, Porto, Lisboa e Évora, sendo recebidas calorosamente por públicos energéticos.
Agora preparam-se para apresentar oficialmente as novas composições no formato em que mais brilham: ao vivo. Conversámos com Alô (guitarra), Fred (baixo) e Rui (bateria) sobre este regresso, concertos e o futuro da banda.Como é estar de volta depois de tanto tempo e serem recebidos tão calorosamente como tem acontecido nos últimos concertos?
Rui (R) – Tem corrido tudo bem, na minha opinião está a ser uma fase espetacular, finalmente isto está cá fora. Acho que agora, tipo, é mesmo assumidamente uma coisa que pertence mais às pessoas do que a nós. E é isso, é um bocado tipo a fase final do normal curso das coisas, agora é ver no que é que isto se transforma, do que já não depende de nós.
Fred (F) – Ya, já não nos pertence, neste momento.
No início do hiato tinham a intenção de regressar?
Alô (A) – Não, nós quando parámos… não foi uma paragem, tipo, não foi o fim da banda, nós nunca assumimos isso, foi só uma paragem para refletir e ir buscar novas inspirações, mas não tínhamos ideia de quando é que voltaríamos ou se voltaríamos. Era uma coisa completamente em aberto.
O que é que mudou desde então nas vossas vidas?
A – Tanta coisa, muita coisa mesmo. Acho que pessoalmente, tipo, bué coisas mudaram, como é normal em 5 anos. Profissionalmente e pessoalmente acho que estamos pessoas diferentes, sem dúvida.
F – Nós também quando começámos o hiato tínhamos 20, 21 anos, e agora temos entre os 27 e os 28, então muita coisa pode acontecer nesse período de tempo, na vida de uma pessoa.
A – Nós estávamos a falar no outro dia e chegámos à conclusão que nós na verdade começámos a tocar bastante cedo, e acho que a pausa fez sentido também para termos os anos em que conseguíamos explorar outra coisa que não só a banda, digamos assim.
Quando é que as músicas novas começaram a ser compostas?
A – Foi bastante recente, nós começámos a trabalhar nas músicas, sei lá, início do ano passado, talvez?
F – Não, 2022.
A – Mas as músicas foram todas escritas bastante rápido, diria eu. Não há nada neste disco que seja aproveitamento de coisas antigas ou assim, foi tudo quase de origem.
O último lançamento de 800 Gondomar, Linhas de Baixo (2017), já tem mais de 6 anos. Na elaboração de São Gunão procuraram ter uma abordagem nova ou regressaram ao mesmo processo criativo que tinham anteriormente?
R – Acho que na parte que me toca, o nosso processo criativo sempre foi baseado em todo o espectro de possibilidades, ou seja, nós não somos uma banda que compõe só a partir do que fazemos em jams, como também não somos uma banda que traz as coisas já bem definidas para qualquer momento de composição. Somos uma banda que faz um pouco de tudo, que aproveita de tudo e acho que desta maneira foi igual. Se calhar ser-nos-ia bastante útil conseguirmos ter uma rotina nesse aspecto, ao nível de, lá está, com um maior… método de trazer contribuições novas, mas pronto, estamos assim um bocado neste mesmo registo que tem resultado. Intencionam continuar a compor, depois deste lançamento?
R – Opá, já que se pôs isto assim a andar outra vez… Não temos planeado um próximo passo, mas existe uma vontade de estar aí mais um bocadinho agora, sem dúvida alguma. Também a ver o que é que acontece com este [disco] e o que acontece com as nossas vidas.
Antes de virem tocar a Portugal, primeiro em Fafe e mais tarde noutras localidades, estiveram pela Grécia e Macedónia do Norte. Já tinham composições novas ou foi só voltar a entrar no ritmo?
F – O objetivo dessa tour foi um bocado testar cenas novas e cenas antigas, maneiras diferentes de abordar o espetáculo ao vivo, também. Por isso serviu também como test drive dessas músicas novas. Depois quando chegámos também houve um período de marinar essas próprias músicas, de pré-produzi-las, gravá-las e agora editá-las.
Vocês são uma das bandas portuguesas com mais fama de ter concertos memoráveis. Têm também um processo por trás dos concertos, pensam na questão de como é que os vão fazer ou como querem que corram?
A – Eu diria que a nossa banda sempre viveu bué do contacto com o público, das músicas ao vivo, e acho que na verdade até somos mais conhecidos por esse lado do que, sei lá, pela parte mais do pessoal ouvir em casa ou assim. Para nós é bué importante a parte da composição, mas sem dúvida que sentimos mesmo que as músicas ganham outra dimensão ao vivo, e para nós é bué importante essa dimensão ao vivo, o concerto é tão importante como o álbum.
R – Sim, acho que acima de tudo o que nós tentamos cada vez mais é estar um bocadinho em conhecimento constante das várias dinâmicas que podemos criar num concerto. Agora acho que mais importante do que pensar se nós criamos atos específicos, porque a resposta a isso seria não, eu acho que nós nos preocupamos em criar as condições para que tudo possa acontecer. Há uma desconstrução da relação entre o público e a banda, em que o pessoal tanto pode ocupar o espaço que supostamente está destinado à nossa performance, como também nós podemos ir para o meio do povo. Não sei, existe mesmo uma questão de contacto físico e de tentar que se promovam novos rituais desse mesmo contacto. Depois o que acontece vai acontecendo, até porque seria completamente impossível tentar controlar previamente todas as variáveis. Depois também aquilo acaba por muitas vezes estar completamente entregue à energia da sala e do público e nós aí já somos um bocado passageiros.
Basta olhar para a tracklist para perceber que São Gunão é um disco único – vai de cancelamento a poppers, com letras peculiares. Como é que regressam a Rio Tinto para encontrar nova inspiração?
R – Rio Tinto, acima de tudo, é um tema preponderante para se lançar agora um disco de regresso, porque agora representa algo completamente diferente. Se calhar nós no início olhávamos para o subúrbio, ao qual nós pertencíamos, ou melhor, a maior parte das pessoas olhava para o subúrbio como um símbolo de pertença indesejada, com realidades assim um bocadinho indesejadas, às vezes reprováveis, whatever, isso é tudo relativo. Mas agora está muito mais próximo do ideal de vida alcançável para qualquer um de nós, devido não só à pressão imobiliária, mas também às coisas que tu agora queres fazer na vida, em oposição com o que querias fazer quando tinhas tipo 20 anos ou 19, ou até 15, nas primeiras cenas que fazíamos. Sim, e é um bocado engraçado também porque acaba por lançar o moto para o que estás a dizer, para este exercício de ir buscar à mesma fonte mais conteúdo, percebendo agora que não só o conteúdo é todo distinto, como a tua relação com ele mudou completamente. E agora é tentar narrar essa transformação, acho eu.
No meio da agitação do disco surge a faixa “Não Há Mal”, uma canção mais despida, melancólica e emocional, quase como uma irmã mais deprimida de “Preguiça”. Tendo em mente a fisicalidade dos últimos concertos, estão mais afetuosos?
R – Eu ando um choramingas, ando um sensível, sem dúvida alguma.
F – Quem não?
A – Acho que com a idade, se calhar, estamos mais dispostos a abraçar os nossos sentimentos e as nossas emoções.
R – Não há mal quanto a isso. O que é que gostavam que as pessoas soubessem neste vosso regresso?
R – Acho mesmo que para mim o mais importante é que não há mesmo muitas pretensões para além daquilo que já está declarado publicamente. Nem há muitos segredos. Acho que o mais importante agora é só perceber que nós queremos genuinamente tentar uma relação mais sincera e direta com as pessoas que nos ouvem e que, consequentemente, fazem parte do processo. A única coisa que pedimos é um voto de confiança, estamos a tentar o melhor possível para que isso resulte, acho eu.
O que se pode esperar dos próximos gigs de apresentação do disco?
F – As músicas novas do álbum ainda não sabemos se vamos tocar todas. Se calhar vamos tentar pensar em momentos novos, mas sem defini-los muito, mas mais que energias é que queremos ter ao longo do concerto, acho eu. Mas sem grandes expectativas.
R – Acho que este lançamento, em oposição a tracklists anteriores, tem maior dinâmica emocional, e precisamos ainda de aprender a como canalizar isso de forma mais eficaz, num contexto de performance ao vivo. Ainda não ensaiámos nada isto, estamos a tentar perceber como é que vamos abordar isso, mas nós também funcionamos bem em cima do joelho, por isso tá-se bem.
Os 800 Gondomar vão apresentar São Gunão nas seguintes datas:
5 Abril
Maus Hábitos, Porto
24 Abril
Mavy, Braga
04 Maio
Auditório Municipal, Gondomar
16 Maio
B.Leza, Lisboa
Entrevista: Afonso Mateus
Fotografia: Tiago Mogege