Godspeed You! Black Emperor na Casa da Música: quando a música é a poesia da esperança

Godspeed You! Black Emperor na Casa da Música: quando a música é a poesia da esperança

| Março 7, 2025 3:39 pm

Godspeed You! Black Emperor na Casa da Música: quando a música é a poesia da esperança

| Março 7, 2025 3:39 pm

Sala cheia na Casa da Música para acolher o segundo de dois concertos em Portugal por parte dos Godspeed You! Black Emperor, que nesta noite foram a banda sonora da luz esperançosa num mundo cada vez mais afetado pela escuridão da ameaça conservadora.

Esperança é, de resto, uma palavra que urge ser enfatizada quando se discute a essência conceptual do coletivo de Montreal – mestres incontornáveis na criação de portentosas esculturas sonoras que carregam consigo uma panóplia de emoções. Aparece escrita nos ecrãs durante as projeções que acompanham os concertos, e constitui inclusive o tema nunca oficialmente gravado que inicia cada atuação do grupo. É ainda o sentimento que alimenta o mais recente álbum da banda (intitulado No Title as of 13 February 2024 28,340 Dead, num lamento que parece estar mesmo à beira do desespero fatal), inspirado pela Guerra em Gaza que já matou milhares de palestinianos e que aqui foi diretamente referida através de mensagens de apoio estampadas nos amplificadores, juntamente com desabafos de solidariedade para com a comunidade LGBTQI (“Transphobes eat shit and die alone”, lia-se num dos amplificadores). Pode não haver vozes cantadas, mas o humanismo no universo dos GY!BE constitui um berro bem audível, que irrompe pela sala com uma urgência desesperada, e que mais do que um protesto, soa a uma súplica – um aviso emotivo emitido por quem sente que o amanhã projetará uma ditadura medonha se não alterarmos o modo como vivemos hoje. Perante a crise de valores atual, a revolução mostra-se obrigatória.

Godspeed You! Black Emperor

Curioso, então, que encontremos nesta plataforma audiovisual de indignação e questionamento o conforto de um refúgio mental, mas tal é inevitável quando nos deixamos absorver pela grandiosidade destes monumentos de som que as imagens – onde chegamos mesmo a visualizar registos de brutalidade policial, em que a violência surge pintada com uma melancolia desoladora – fazem questão de tornar mais imponentes. Por vezes visualizamos também registos de flores, quase para nos lembrar da importância de conservar o que é belo, e de tudo o que podemos perder se no lugar de amor continuarmos a plantar sementes de ódio e destruição. É precisamente aí que nos apercebemos, ao longo desta “viagem” de quase duas horas, onde novidades coexistem com clássicos e guitarras poeticamente viscerais comunicam eficazmente com subtilezas orquestrais, que os Godspeed! não escrevem canções, antes manifestos que se expressam enquanto som. Tudo aqui é uma performance, tão complexa quanto despida das mais autênticas emoções humanas – entre a raiva e a delicadeza, entre o medo e o conforto, entre a tristeza… e a esperança. Lá surge novamente essa palavra, da qual não nos podemos livrar para nos ajudar a atravessar estes dias medonhos. E a julgar pelo modo como a audiência soube sentir a pureza desta prestação – muitos até a viviam de olhos fechados, ou então a olhar alternadamente, de forma atenta, para os diferentes elementos do grupo -, ainda nem tudo está perdido, e ainda há, portanto… uma réstia de esperança.

Um pouco antes, Mat Ball, o guitarrista dos BIG|BRAVE, subiu ao palco para proporcionar uma possante sessão de noise/avant-garde, com alguns momentos mais melódicos pelo meio, num experimentalismo desenfreado que nos parecia sugar para um buraco negro de texturas incrivelmente ruidosas. Implacavelmente dissonante, por vezes sufocante na sua exploração ensurdecedora, não terá certamente agradado a todos, mas residiu aí o seu encanto, no modo como Mat criou algo tão belo quanto intensamente desafiante. No final, mais do que a um simples concerto, assistimos aqui a uma experiência sónica verdadeiramente apoteótica.

 

Texto: Jorge Alves

Fotografia: Jorge Silva/Amplificasom