The Horrors no Hard Club: nunca fomos tão felizes neste terror

The Horrors no Hard Club: nunca fomos tão felizes neste terror

| Abril 12, 2025 4:39 pm

The Horrors no Hard Club: nunca fomos tão felizes neste terror

| Abril 12, 2025 4:39 pm

Estamos nos primeiros metros de 2025. Contra todas as expectativas, os ingleses The Horrors assinalam duas décadas de existência. 20 anos de transformações e renascimentos sucessivos, sempre no limite da implosão. As primeiras performances do grupo, quando ainda prestavam vassalagem aos Cramps, extinguiam-se à velocidade de um fósforo: explosões elétricas que não passavam dos 15 minutos, atravessadas por uma energia psicótica pulsante, que tanto se autodestruíam em atos inexplicáveis de auto-sabotagem como eram abruptamente interrompidas pelo ira de plateias igualmente hostis. Os anos passaram-se e a poeira acabou por assentar, mas o tempo – que também passa pelos ingleses – soube dar-lhes razão.  

As coisas são invariavelmente diferentes hoje. Eternos românticos em busca do inalcançável, a banda de Faris Badwan soube distinguir-se desde sempre dos seus pares contemporâneos (Bloc Party, Interpol, Monkeys), alinhando-se às fileiras do pós-punk sem se deixar perder totalmente nelas. Ao sexto álbum, a banda de Faris Badwan apresenta-se mais livre, mais segura e mais negra do que nunca, como se comprovou na passagem do grupo pelo Porto, na passada quinta-feira (atuaram no dia seguinte em Lisboa, a convite da promotora At The Rollercoaster). Em causa estava a apresentação de Night Life, o primeiro disco dos Horrors em 8 anos e mais uma importante etapa no contínuo processo de reinvenção do grupo.

No PA da sala maior do Hard Club escutavam-se eletrónicas físicas, ruído concreto e tessituras industriais. Front 242 e Esplendor Geométrico antecipavam uma noite que se adivinhava sombria mas sorridente, motivada por um regresso há muito aguardado (foi o primeiro concerto dos ingleses na Invicta em quase uma década). Com uma nova formação – a teclista Amelia Kidd e o baterista Jordan Cook substituíram dois dos membros originais dos Horrors, Tom Furse e Joe Spurgeon –, a banda emergiu da cortina de fumo que povoava o espaço físico e acústico da sala portuense para se apresentar inabalável, partindo sem rodeios para o negrume de “The Silence That Remains”, tema que apresentou o novo álbum, ainda em 2024, antes de nos atirarmos de cabeça até 2009 para recordar a vertigem gótica de Primary Colours, num ato contínuo em dois momentos: o choque frontal da mui garageira “Three Decades”, primeiro, em contra-corrente com a orquestra de arpejos e guitarras lancinantes de “Mirror’s Image”, depois, resistindo à passagem do tempo.

 

 

Arautos da decadência, a banda retomou o desencanto de Night Life com o choque electroindustrial de “Silent Disco”, mais um dos singles do novo disco, com o pulso motorik de “Sea Within a Sea” (apresentada como “From River to the Sea”, em apoio à Palestina), a seguir, a tomar conta das filas da frente. Em “Endless Blue”, mais à frente, levitamos até planos superiores. Os voos altos de Skying serviram o pano de fundo perfeito para a entrada cerimoniosa de “Still Life”, balada espectral tingida a sintetizadores caleidoscópicos e linhas de baixo cirúrgicas, com a natureza operática de Badwan ao leme. Entre o nevoeiro de fumos, cores e luzes estroboscópicas, é sua a figura figura altiva que mais se destaca, vulto em contra-luz transportando séculos de história para um prisma gótico contemporâneo, como um crooner moderno perdido entre as páginas de um romance de Edgar Allen Poe. Traço evidente, aliás, no tema “Who Can Say”, já na reta final do alinhamento, a despedaçar sem cerimónia o coração dos mais devotos (“And though it’s hard, for me to say, I know you’re better off this way”, cantava).

“Lotus Eater”, já no encore, entregou o público ao abandono da pista de dança, mas é ao som de “Something To Remember Me By”, pedaço irresistível de pop dançável e luminosa, que o corpo se rende completamente ao transe. Nunca fomos tão felizes neste terror.

Fotografia: The Horrors na República da Música, em Lisboa, por Luís Sousa/Música em DX.

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