O registo de estreia das Die Spitz é como um portfólio da banda: um exemplo dos vários estilos de rock que têm para oferecer – grunge, thrash metal, punk e até shoegaze coexistem num álbum excitante, acessível e diverso na sua sonoridade. Um amor obsessivo que não acabou bem. A necessidade de trabalhar em conflito com a vontade de desistir. A arte e a individualidade tornadas num negócio. O ser humano espremido até ao limite por uma sociedade que não foi feita para sonhadores. Perante isto, todos precisamos de Something to Consume. Algo para nos distrair, ainda que momentaneamente, das dificuldades e da dor que inevitavelmente enfrentamos.
De todos, o amor é o assunto com mais destaque. Em particular, o amor doentio, obsessivo e destrutivo – e que, naturalmente, mais nos consome. O amor, algo que é quase universalmente bom, apenas se torna mau quando é uma necessidade. Sem este amor, seja ele de quem for, é impossível viver. Uma existência sem essa determinada pessoa é equiparável à morte, ou até pior do que esta.
Sobre a abertura do álbum, “Pop Punk Anthem”, Ava Schrobilgen diz “It may sound like a love song at first, but when the beat kicks in it’s the obsession that takes over”, referindo-se, por exemplo, à frase “I’ll never disappear ‘cause you’re a part of me“. O sujeito da música, segundo ele próprio, vive através da pessoa que ama, independentemente da vontade desta. Ela é a sua principal razão de existir e, enquanto sentir esse amor, é alguém. Com sentido, com propósito e acima de tudo, com esperança. No que toca a qualidade sónica do álbum, é variada, bem produzida e executada, e nostálgica. A maioria das músicas demonstra uma clara influência de bandas como os Nirvana e os Pixies – um som reminiscente do grunge e do rock alternativo dos anos 90, com toques de thrash e de shoegaze à mistura. Ainda assim, não são de todo uma banda “retro” que procura apenas imitar. Something to Consume é um álbum moderno, mas que não esconde as suas influências, nem tenta inovar por aí além. O que, na nossa opinião, não é algo negativo. Nem todos têm que fazer música disruptiva – algumas das melhores peças de arte que temos nada mais são do que reimaginações de algo que já existe (veja-se, por exemplo, os Led Zeppelin – reinterpretações do blues – e dos Tame Impala – reinterpretações do rock psicadélico dos anos 60 e 70 – bem como o trabalho de Quentin Tarantino e de Robert Eggers, na área do cinema).
Vale a pena salientar também a versatilidade dos vocais do álbum. Três membros da banda (Chloe, Ava e Ellie) contribuiem neste departamento, e todas com qualidade e com uma contribuição diferente das restantes – ajudando na já falada diversidade do álbum. Entre as três são capazes de oferecer vocais de estilos distintos. Desde bombástica e poderosa como Ellie Livingston, em “Throw Yourself to the Sword” e “RIDING WITH MY GIRLS”, ou suave e sonhadora como Chloe de St. Aubin em “a strange moon/selenophilia”, ou rouca, zangada e arrepiante como Ava Schrobilgen em ”Red40“ e ”Pop Punk Anthem“. Curiosamente, a escrita das músicas é também partilhada entre estas três membros da banda – sendo que Kate Halter se dedica totalmente ao baixo.

A variabilidade musical da banda demonstrada no álbum abre várias possibilidades para o futuro. O foco deverá ser num destes estilos individuais, o que ajudará na coesão do seu trabalho futuro. No caso específico de Something to Consume, essa falta de coesão (sonora, não temática) não chega a ser uma fraqueza – embora seja evidente, na nossa opinião, que os momentos em que as Die Spitz mais brilham é quando abraçam um som menos comercial e mais pesado, como em “Throw Yourself to the Sword”, “Red40” e “Pop Punk Anthem” – fazendo uso da sua energia de palco notável, e das vocais acima da média de Ava Schrobilgen e de Ellie Livingston.
É raro ouvir um álbum de estreia tão seguro de si como Something to Consume. Com temas claros e uma produção impecável, é um primeiro sucesso para uma banda que promete atingir os patamares de bandas como os IDLES ou os Viagra Boys, dentro de alguns anos. E, sem reinventar a roda, consegue ainda assim ser um dos álbuns de rock mais entusiasmantes do ano, pela sua recusa em abraçarem apenas um estilo. Para fãs de música pesada com um toque retro que precisem de algo para consumir, este álbum é uma boa opção.



