Lola Young
I'm Only F**king Myself

| Outubro 10, 2025 12:18 am

Depois de uma brilhante atuação no Vodafone Paredes de Coura, a 14 de agosto, Lola Young lançou o seu novo álbum I’m Only F**king Myself. No final do concerto, o público sentia vivamente as palavras da artista inglesa, tanto as faladas como as cantadas, bastando a sua mera presença para arrancar lágrimas inesperadas. O concerto terminou com o público a implorar por um pouco mais – por sentir um pouco mais, ouvir um pouco mais aquela voz poderosa, vulnerável e corajosa ao mesmo tempo, que dizia tanto daquilo que muitas vezes não ousamos admitir a nós próprios.

E, mais ou menos um mês depois, o público teve aquilo que queria – um pouco mais da vida interior de Lola Young. Um pouco mais de introspeção. I’m Only F**king Myself conta, uma vez mais, com uma honestidade desarmante, com o final de relações tóxicas, com uma libertação do que já não serve, com reflexões sobre o medo e, ainda, sobre gratidão.

O álbum abre precisamente com uma faixa de spoken word dita por Mandisa Apena – “how long will it take to walk a mile?“. Nela, Apena fala sobre as coisas pelas quais se encontra grata – inclusive, pela própria existência de Lola Young na sua vida. Uma forma inovadora de começar o projeto, mostrando o quão vulnerável e emotivo é o resto do álbum. É um início que leva a que todos os temas façam parte de uma conversa entre a cantora e os ouvintes, como se as músicas tivessem sido escritas de propósito para todos nós.

A primeira parte da conversa tem como tema “F**K EVERYONE“, na qual nos são dadas a conhecer algumas das razões para o sofrimento de Lola Young. É também mais um exemplo da forma desinibida com que Lola fala da sua sexualidade, sem medos nem reservas – o que, muitas vezes, nos liberta. Esta exposição é feita com bastante irreverência e provocação, como se, ao mesmo tempo, o seu próprio sofrimento lhe fosse indiferente: I just wanna f*ck guys who don’t like me and don’t mind / I just wanna f*ck girls who don’t love me, they don’t mind”. O tema da sexualidade continua em canções como “One Thing” e “Post Sex Clarity“. “One Thing” demonstra o descomprometimento, que também pode ser lido como uma libertação, por parte da mulher que fala sobre os prazeres físicos e sobre o que gosta, sem esperar nada em troca. Por outro lado, existe alguma nuance em Lola Young – durante a maior parte do álbum, vemos uma persona que se foca na componente física das relações, mas a faixa “Post Sex Clarity” vem contrastar tudo isso. É uma canção única, que nos mostra o lado mais romântico da cantora. É acompanhada por um instrumental mais alegre, com batidas mais catchy e guitarras mais luminosas, mostrando sentimentos mais positivos: “When I’m lying in bed, got post sex clarity/I still love you and I don’t know why (and I don’t know why)/‘Cause every other man didn’t mean a goddamn to me/When I finish, it’s not the end of you and I.”

Um outro bom exemplo do romantismo de Lola Young e, simultaneamente, um dos melhores momentos do álbum em termos de capacidade vocal, é o tema “SPIDERS“. Canção que começa de forma suave e lenta, demonstrando a vulnerabilidade de alguém que, por muito que demonstre desapego e independência, necessita de ajuda e de quem a faça ter algo por que ansiar. O refrão é, por assim dizer, uma prova da paixão que sente e da sua irrepreensível técnica vocal, quase um grito no meio do caos emocional, acompanhado por um instrumental com influências de heavy metal. Com as frases “Get in your car but don’t cause a scene/Make me feel like I’m not incomplete for once/’Cause I’m not a woman if I don’t have you/ And you’re not a man if you don’t have me”, Lola Young demonstra-nos que, por muito que possa parecer calma, leve e descomprometida em alguns momentos, noutros é também, romântica, fogosa e passional. Noutras ocasiões, também sente medo e precisa de alguém que mate por ela as aranhas que a atormentam. Precisa de alguém que a salve, que a ensine a enfrentar os seus fantasmas. E é isto também o que torna o conteúdo desta artista tão relevante para tantos de nós. A pergunta é: quantos de nós já não sentimos o mesmo?

Falando de vulnerabilidade, um outro tema que soa tão familiar é “SAD SOB STORY! 🙂” – a história de um final de uma relação marcada por mentiras, por piadas cortantes e sem graça, discussões e escolher lados, vitimização. O refrão demonstra raiva pelo sofrimento causado, mas também alegria, porque o final é também uma libertação – “And damn, it feels good, it feels/great, I’ve moved on but I just/ wanted to say/Best of luck to you and I hope/you’re happy someday/But keep your sad sob story/’cause I won’t read it anyway”.

Lola Young

O tema do final de uma relação está presente também em “Not Like That Anymore“, um dos melhores momentos do álbum. A canção fala de problemas passados relacionados com o abuso de drogas, sobre depressão, sobre uma lenta procura pelo caminho para a felicidade. Fala sobretudo sobre adversidade, sobre ver o lado positivo – pelo menos está livre de drogas, livre de se auto flagelar, livre da relação passada: “And now I’m locked out, got nowhere to go/And my phone got stolen and my balance is low/But if I look on the bright side, at least I’m not fucking myself anymore, not anymore/And I got a little kick out of declining your call/I guess that means I don’t need your dick at all/And so I’m fucking myself, but not like that anymore”.

Um outro momento muito marcante do álbum é “Penny Out of Nothing“. Uma vez mais, Young espelha nele o seu sofrimento e vulnerabilidade. Tal como é repetido ao longo da música, até que tudo se componha, Lola Young irá fazer uma série de coisas inesperadas, difíceis e quase impossíveis: tirar as balas das armas, gozar com um homem, fazer com que ele deixe de se apaixonar, fazer com que um ateu perdoe, se ajoelhe e reze a Deus. Acima de tudo, irá fazer com que nós, ouvintes, pensemos que está bem mesmo não estando.

Recentemente, Lola Young informou os fãs de que fará uma pausa nos seus concertos por motivos de saúde mental. Tal como sugere em “who f**king cares?”, ultimamente é difícil para ela sentir-se viva ou pensar sequer no que a felicidade significa, é difícil resistir à tentação de retornar às drogas, é difícil esquecer a antiga relação e, ainda, sentir que alguém se importa com ela – sendo que, por vezes, até para si é difícil importar-se consigo mesma. “who f**king cares?” é uma canção simples, apenas uma guitarra com alguns acordes e a voz, que procura, acima de tudo, desabafar. É uma canção que parece inacabada, talvez para demonstrar a falta de vontade e força que sente para lidar com a vida. No entanto, acreditaremos que Lola Young irá arranjar alguma forma de continuar e de renascer das cinzas. Esperaremos.

O álbum termina com “ur an absolute c word (interlude)“, que conta com o contributo spoken word de Tia Shek. O poema fala sobre solidão, infância e a família, sobre o que é sentir: é sobre estar aberto ao outro, sobre estar presente, sobre ser traído, sobre perder a confiança nos outros a partir de uma certa idade, sobre sofrer, sobre estar só, sobre estar perdido, sobre ter sonhos, sobre aceitar a complexidade da vida e das relações humanas… Sentir é sobre ouvir Lola Young.

Fotografia: Dave Benett/Getty

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