BADBADNOTGOOD + Ghostface Killah
Sour Soul

| Fevereiro 25, 2015 5:59 pm
BADBADNOTGOOD + Ghostface Killah || Lex Records || Fevereiro de 2015
7.8/10
Há coisa de poucos dias, finalmente vi o Whiplash.
Brevemente falando da película para quem a desconhece, ela narra a história de Andrew um estudante de música que quer ficar na história como um os Grandes bateristas.
O filme mostra-nos a linha temporal que começa desde os seus tempos de estudante na Shaffer Conservatory até à sua (aparente) consagração aos olhos do seu mestre, o professor Fletcher. Apesar das críticas ao filme e de alguma manipulação histórica para melhor contar a história de Whiplash, a mensagem que ele tenta passar — e consegue — é clara como a água: o pódio é difícil de alcançar e, no final, é um lugar duro onde se estar.  Toda a gente está de olho em nós, mas, na verdade ninguém quer saber de nós.
Afastámos tudo e todos para sermos um dos Grandes. E quando conseguimos chegar ao nosso objectivo, chegamos lá sozinhos, em última instância. E é sozinhos que ficamos. 
Sendo eu um artesão das áreas criativas, este filme tocou-me.
Apesar de haver mais filmes que retratem o sofrimento do artista, em confronto consigo mesmo e com o seu ideal de perfeição (o Black Swan é outra película que exemplifica isto mesmo) e apesar da dramatização da narrativa (imperfeita) de Whiplash, a verdade é que o filme me pôs a ver as coisas de outra maneira.
Longas horas de treino e ensaios, a isolação —e consequente alienação — em relação a tudo e todos, muita frustração, muita tentativa/erro e, naturalmente, muita dor…talvez o esforço não compense. Talvez uma existência frugal seja preferível a uma vida plena de satisfação criativa mas pobre em tudo o resto. Mas talvez isto sejam apenas as dúvidas a falarem mais alto. Quem é das artes sabe que a nossa satisfação criativa leva a melhor de nós — e da nossa razão inclusive — muitas das vezes.
E é sobre satisfação criativa que nós vamos falar a seguir. E de jazz, claro.
Afinal de contas, Sour Soul — a nova empreitada sonora do mítico Ghostface Killah realizada em conjunto com os BADBADNOTGOOD — mistura o universo do hip hop com o melhor groove do jazz de uma forma brilhante.
Mas porque falei eu de Whiplash no início da crítica, perguntam vocês?
Para estabelecer um paralelo com estes gajos.
          ( ͡° ͜ʖ ͡°)

Para aqueles que não sabem quem são os gajos da foto, apresento-vos os BADBADNOTGOOD, o trio de jazz composto por Matthew Tavares, Chester Hansen e Alexander Sowinski. A história deles começou na Humber College, no ano de 2010, num programa de ensino de jazz. Foi lá que os 3 se cruzaram e onde começaram a trocar ideias e influências. Para uma das suas cadeiras, ele compuseram uma peça baseada nas sonoridades do colectivo Odd Future, a qual apresentaram numa suas aulas, como resposta a um trabalho proposto numa das suas disciplinas. Essa peça foi então apresentada e considerada pelos seus professores como desprovida de qualquer tipo de valor artístico ou musical.
Caso eles fossem o Andrew do filme, eles provavelmente ter-se-iam fechado nos seus quartos a ensaiar, isolados. Ou teriam desistido e ido trabalhar para um café, como o Andrew fez depois de ser expulso da sua escola.
No entanto, o que os BBNG fizeram foi seguir outro percurso: sairam da rede onde se encontravam (a academia) e foram procurar outros contactos, expor o seu trabalho a olhares diferentes e trocar diferentes ideias.
Assim sendo, os BADBADNOTGOOD lançaram a faixa apresentada na Humber College no Youtube, intitulando-a “The Odd Future Sessions Part 1”.
Essa faixa captou a atenção de Tyler, The Creator, personalidade que ajudou a divulgar o trabalho dos BBNG, tornando o vídeo viral.
Este vídeo e a sua história marcam o início dos BBNG tal como os conhecemos agora: um trio de jazz que interpreta o género à sua maneira.
Desde as covers aos MBV, ao James Blake à música do Zelda e aos seus temas originais, os BBNG são confessos adeptos de uma nova interpretação do jazz ,da negação dos seus antigos valores (mais para ler nesta entrevista à RESPECT.) e escusado será dizer que o trio faz parte de uma juventude nativa com realidades que não existiam nos primórdios do jazz. A internet, a comunicação instantânea e a queda de (quase) todas as fronteiras e barreiras no acesso a música e informação, tudo isto certamente contribuiu para o surgimento dos BBNG e para a maturação dos seus ideais e do seu processo: a anulação das barreiras na sonoridade jazz, considerando o género como terreno fértil para interpretações várias.
Com uma lista de 3 LPs, participações na prestigiada Boiler Room, digressões pelo mundo todo e agora, com a colaboração com o Ghostface Killah, os BBNG subiram mais um degrau nos seus objectivos, ao colaborem com um MC de renome.
Que o Tyler me perdoe pela minha sinceridade, mas o Ghostface é um titã.

Sobre esta colaboração, poderíamos falar da brilhante lírica de Ghostface Killah que, em conjunto com a groove e a produção dos BBNG e do Frank Dukes, formam as parcelas de uma bonita e significativa equação que é Sour Soul.
Bem, isto não acontece. Muito por culpa da lírica.

O veterano traz para a mesa boas rimas. Mas, infelizmente, na maioria das vezes, elas são dirigidas à sua crew — os míticos Wu-Tang Clan — e ao seu alter-ego Tony Stark, deixando pouca margem no LP para a crítica social e para narrativas ricas, optando aproveitar esse tempo de antena para o saudosismo narcisista e props para os homies, algo que eu considero uma falha. Oportunidades como as propiciadas em Sour Soul devem ser, na minha opinião, aproveitadas para fazer passar mensagens importantes. Todos sabemos que os Wu Tang Clan ain’t nuthin’ to fuck wit, mas eles têm um legado que falam por si. Mais props não os vão elevar, dado eles já estarem no topo, ainda para mais quando os props são vindos de um membro de colectivo. E o Ghostface já é o rei de um grande reinado, não precisa de provar nada a ninguém e muito menos que mostrar que é o maior. O leque de convidados é, apesar de curto, é destacável, ficando por vezes o microfone a cargo de Danny Brown e do veterano MF Doom. Mas nem este salva a honra do convento.

Em suma, a lírica do disco não compromete, mas também não inova em nada.


O que é uma pena.
Por outro lado, o meu trabalho nesta review ficou muito facilitado, dado que me pude concentrar a fundo no groove e nos valores de produção de Sour Soul.
E esses meus amigos, são altíssimos. São, para mim, a melhor parte do disco.
Repito, a lírica não compromete o LP, mas face à qualidade do groove dos BBNG, esta fica um pouco ofuscada, acabando por não complementar a sonoridade de Soul Soul da maneira que este merece. Não se mostrou à altura da componente instrumental de luxo que os BBNG compuseram.
E é esta componente o melhor que podem subtrair de Sour Soul.
Os valores de produção são altíssimos, no sentido em que tudo soa incrível. os baixos que se arrastam, a percussão, a guitarra, tudo isto ajuda a compor uma fórmula incrivelmente coesa e, mais importante, que resulta. 
Mas aqui, acho que há mais um destaque a dar os BBNG. Talvez o pormenor mais destacável: não só estes 3 jovens estão a colaborar com um dos MCs incontornáveis da história do hip hop, mas roubaram-lhe o destaque no seu próprio jogo.
A orquestra que chegou para compor em conjunto com um dos maiores mcs da cena acaba, em última instância, por levar a taça. Atenção, mais uma vez digo: Ghostface não desempenha mal o seu papel. Na lírica e no tom da voz ouvimos os anos de luta de um self made man e MC, que a punho subiu na sua carreira e na sua vida. Mas chamem lhe sangue novo, talento puro ou os ouvidos e mãos da juventude a interpretarem a realidade a seu belo prazer, as composições dos BBNG soam incrivelmente frescas. 
As inspirações com o jazz e o hip hop são notórias, mas a sua interpretação de ambos os géneros é fabulosa.
O futuro pertence à juventude, de facto.

Poderemos estar a testemunhar o nascer de uma das maiores jóias da coroa da produção do hip hop. A confirmar-se as nossas palavras lembrem-se: leram aqui primeiro.

E a consagração dos BADBADNOTGOOD começou com Sour Soul.



Sour Soul’s Tracklist:

1. Mono
2. Sour Soul
3. Six Degrees (ft. Danny Brown)
4. Gunshowers (ft. Elzhi)
5. Stark’s Reality
6. Tone’s Rap
7. Mind Playing Tricks
8. Street Knowledge (ft. Tree)
9. Ray Gun (ft. DOOM)
10. Nuggets of Wisdow
11. Food
12. Experience
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