Várias vezes um artista é rotulado de “experimental”. “Esta banda produz música experimental” dir-vos-à algum pseudo-crítico de bancada sem vos esclarecer o que este rótulo ambíguo de facto significa. Sendo que o rótulo “experimental” pode ser aplicado a quase todos os géneros musicais, este carece de algum cuidado na sua utilização para não corrermos o risco de melindrar o leitor. No entanto, poucos termos serão mais ajustados para definir Dean Blunt enquanto artista e músico do que “experimental”.
Babyfather, um álbum que, ao que parece, esteve guardado nos arquivos da Hyperdub desde o ano passado mostrou-nos mais uma vez que Blunt é capaz de misturar o streetwise do hip hop — com as suas letras oradas em formato spoken word — com o lado mais barroco do pop, afinando por vezes as cordas das guitarras para o rock e, não parcas vezes, trocando estas por sintetizadores e mesas de mistura. Apesar da instrumentação dos trabalhos de Blunt serem sempre ricos, instrumentos musicais são objectos que não se configuram de uma maneira física na sua música. Estes marcam presença no plano digital, pela via de samples. E em Babyfather, Blunt continua a reger-se por esse princípio, aproveitando a crueza da técnica de corte e colagem de trechos sonoros para nos apresentar obras de arte como a faixa “GASS”, na qual temos Nicky Minaj a repetir sempre a mesma estrofe: y’all got everybody infiltratin’ negros. Por vezes, Blunt entrega o controlo dos samples a outros, como acontece em “Meditation“, uma faixa lançada ainda este mês na qual Blunt partilha os créditos de produção com Arca.
À semelhança daquilo que aconteceu com o binómio The Redeemer/Stone Island, escutamos em Babyfather ecos de Black Metal. Em Babyfather, Blunt continua a insistir na exploração do lado barroco da pop e no hip hop streetwise misturado com spoken word. A “BLOW 2” é uma continuação da narrativa iniciada em “BLOW” — uma das faixas deBlack Metal — na qual ouvimos Blunt a repetir mais uma vez a estrofe “I don’t need nobody helping” enquanto o protagonista desta sequela se continua a auto-destruir com substâncias psicotrópicas. O uso de sintetizadores é abundante na sonoridade de Blunt — ou não fosse este um ávido adepto da sonoridade digital. Além disso, eu juro que ouço a “Love Will Tear Us Apart” algures nos sintetizadores de “WAR REPORT”. Um facto curioso, se tivermos em conta que a “LUSH” de Black Metal se aproximava do apoteótico início da “Bittersweet Symphony” — ainda que o sample original da “LUSH” seja retirado de uma faixa dos Big Star.
A linguagem que Blunt usa em Babyfather é complexa. Sem surpresas, dado que todos os seus trabalhos são complexos e delineados com traçados de difícil caracterização. No entanto, algumas das nuances e da narrativa que este Babyfather contém são viagens que Blunt iniciou Black Metal. Babyfather pode e deve ser visto à sombra de Black Metal. Dito isto, Babyfather é um trabalho com expressão individual. Mais um capítulo na história que Dean Blunt protagoniza no panorama musical, um no qual ele assina as suas obras com o pseudónimo Babyfather.
Mas qual é, exactamente, o panorama musical em que Dean Blunt se encaixa? O da pop barroca? O do rock? O do hip hop? O da spoken word? O do lo-fi? O do sampling? O do revivalismo? Ou o do progresso? Eu diria que Blunt não se insere em nenhum e tampouco procura inserir-se. Ao invés de se tentar comprometer com algum estilo, Blunt parece mais interessado em compreender todas estas influências. E, de facto, se há particularidade que destaca a mestria de Blunt enquanto músico é a destreza com que ele se move através de todas estas linguagens musicais para construir uma sonoridade complexa, de difícil caracterização e de ainda mais difícil definição em forma textual.
“I’d like to ask you, what does NME stand for? Needy middle-aged ego? Nice most elephant? No, it actually stands for New Musical Express. You don’t want the same old, same old, do you? We need people pushing the envelope. I first became aware of this person doing my radio show on 6 Music. It didn’t sound like anything I’d ever heard of before. It makes me very proud to award the Philip Hall Radar Award to Dean Blunt.”
Intervenção de Jarvis Cocker sobre a música de Dean Blunt durante a edição deste ano dos NME Awards, na qual Blunt foi galardoado com o Philip Hall Radar Award. Artigo na FACT.
Enquanto crítico, eu evito o rótulo “experimental” precisamente devido à sua ambiguidade. Prefiro alongar-me e enunciar os sub-géneros em que um artista se desenvolve e/ou se inspira para chegar à sua sonoridade do que simplesmente rotular este de “experimental”.
No entanto, como podemos nós não classificar Dean Blunt de músico experimental, se ainda não foi alicerçado um género ou uma categoria a partir do qual possamos determinar as raízes da sua música?
Além de ser um músico experimental, Dean Blunt é um pioneiro.
Um pioneiro do quê, exactamente?
Não sabemos. Só ele o sabe.
E isso, meus amigos, é A DEFINIÇÃO de música experimental.