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Quem conhece Laure Le Prunenec sabe que o seu nome está associado a projetos revolucionários – pelo seu carácter extremamente inventivo – no panorama musical contemporâneo. A sua voz, tipicamente grave, alcança timbres operáticos e angelicais que, com vocalização sem palavras e/ou linguagens imaginárias conseguem trazer algo completamente marcante e único. Em Ele Ypsis, Laure Le Prunenec, está muito bem acompanhada ao lado do produtor e compositor Stélian Derenne, que produz o som resultante contribuindo para a natureza abstrata e disfuncional que é projetada nos arranjos eletrónicos.
O álbum, anunciado oficialmente em maio, viu em julho serem anunciados os primeiros dois singles a integrar a obra, o homónimo “Meiosis” – que funciona como uma projeção de mundos mistos, expressada essencialmente através do som e nas características físicas que este apresenta – e “Pachytene” – que traz algumas semelhanças daquilo que se ouviu em Lïan, o primeiro trabalho a solo de Laure Le Prunenec como Rïcïnn. Esta influência é novamente mostrada em “Diakinesis”, cuja abertura traz automaticamente à memória o icónico “Orpheus”. O que muda então?
Em Meiosis as viagens proporcionadas pelos apetrechos eletrónicos de Stélian Derenne são muito intensas e carregam uma incontestável beleza na forma como são compostas. A prova disso surge logo em “Anaphase”, single de abertura e o mais longo tema do álbum. A introdução calma e éterea com cerca de dois minutos de duração é pontualmente substituída por beats acelerados que são acompanhados por gritos e coros atenuados, em pano de fundo. Por volta dos três minutos voltamos a ter o som relaxante de início que perdura, aproximadamente, até aos sete minutos e meio. Aqui, começa então a ganhar novas camadas e atinge o auge aos oito minutos e 54 segundos. Uma garantida viagem ultrassónica às bases do som. Outro single que se apresenta como uma enorme surpresa é “Prophase” que de alguma forma, no seu início, traz à memória a produtora islandesa Björk.
O grande tema de Meiosis é, sem dúvida, “Zygotene”. “Zygotene” é um tema muito especial, diria até divino. O que Stélian Derenne faz com a eletrónica por volta do primeiro minuto e 27 segundos é um dos sons mais bonitos de sempre, dura cerca de 20 segundos, mas são os 20 segundos mais perfeitos do disco. E o melhor é o desenvolvimento que o sucede. Aqueles violinos lindos a que o trabalho da vocalista está automaticamente associado voltam a ouvir-se, mas a forma como são apresentados é incrivelmente singular. Que single dominador! De alguma forma, a lembrar um pouco do processo de decomposição associado a projetos como Aaron Funk e Arvo Pärt. “Diplotene” também não lhe fica atrás e é uma das composições que também ganha destaque, especialmente pelos arranjos eletrónicos e explorativos que apresenta. A fechar, “Telophase”, o single mais curto do disco e outro malhão impecável.
Meiosis vem de encontro aos processos criativos produzidos de tão díspares nomes como Dead Can Dance ou Debussy, por exemplo, e afirma a dupla nas índoles da avant-garde music, com uma sonoridade incrivelmente única. A Laure Le Prunenec é definitivamente a melhor coisa que aconteceu à música neste século e um exemplo icónico de uma artista profissional que não consegue produzir trabalhos inferiores a excelente. Meiosis é mais um magnífico trabalho na sua discografia, composto ao lado do também não menos meritório Stélian Derenne. Um disco a que definitivamente se pode chamar obra.