Black Bombaim
Black Bombaim

| Setembro 24, 2019 12:55 am

Black Bombaim | Lovers & Lollipops com Cardinal Fuzz | março de 2019
8.0/10

Na música electrónica, o foco que era dedicado à composição e experimentação foi roubado pela produção – cada vez mais existem sons-tipo para cada produtor, altamente derivados de material e diferentes técnicas. No rock, contudo, esta luta dissipou-se – em grande parte substituída por uma sede de intensidade (um fenómeno fundamental para grande parte da música hoje produzida que ficou conhecido como loudness wars), a produção teve cada vez mais um papel menos relevante, levando a uma homogeneização do género e ofuscando as contribuições que nomes enormes como Todd Rundgren e Brian Eno tinham criado.

É por isto que Black Bombaim, o último álbum de estúdio dos barcelenses Black Bombaim é tão importante. Não só é assinado por um dos grupos mais notórios e relevantes da música psicadélica portuguesa como serve de exercício de experimentação e comparação para diferentes estilos de produção no rock: o sexto álbum de estúdio do trio nortenho combina seis faixas gravadas em três locais distintos (um auditório velho, uma sala vazia num posto de correios abandonado e uma sala de reverberação numa universidade de engenharia) e produzidas por três nomes incontornáveis da música portuguesa atual – Pedro Augusto, a figura por detrás de Live Low, um dos projectos mais interessantes em solo nacional da última década, Luís Fernandes, mais conhecido pelo seu papel em peixe:avião mas com colaborações ambiciosas no mundo da música clássica contemporânea com nomes como Joana Gama Rodrigo Leão e Jonathan Uliel Saldanha, o mentor dos HHY & The Macumbas, um projecto que continua, desde a sua concepção, a desafiar os limites da música. Um conceito ambicioso – raras são as vezes em que a coesão de um álbum não é factor decisivo na sua apreciação – mas com resultados que compensam largamente esta aventura na qual os Black Bombaim e três produtores nacionais embarcaram.

É claro que, não obstante ao interesse imediato que estas colaborações suscitam, Black Bombaim continua, intuitivamente, a tratar-se de um álbum de Black Bombaim – o psicadelismo capaz de conjurar montanhas continua lá, a expansividade que colocou Barcelos no mapa do rock nacional está ao virar de cada transição. Entre temas agorafóbicos como “Zone of Resonant Bodies”, cuja dimensão e dinâmica deixam o ouvinte desolado numa paisagem sónica eterna, peças mais quintessençais dentro do género psicadélico como “20171216”, com a inegável marca da intemporalidade das reverberações e repetições, ou a ginga clássica do rock psicadélico a rasgar de “20180224”, Black Bombaim é um disco que existe confortavelmente dentro daquilo a que os barcelenses nos habituaram, mas também cria a vontade inegável de ver estas colaborações únicas concretizadas cada uma no seu próprio álbum. É difícil ter de ficar só pela imaginação de até onde é que o krautrock electrónico de “20180415” podia ir, mas por agora as bençãos ficam-se contidas nestas seis faixas.

Em completa verdade, é impossível, não importa a extensão, cobrir tudo aquilo que Black Bombaim pode representar e aquilo que é – apesar de ter escutado o álbum incontáveis vezes desde que saiu, em parte concentrado naquilo que podia dizer sobre ele, continuo sem conseguir particularmente concretizar em palavras o que acho sobre o álbum, daí ter escolhido a brevidade. Black Bombaim neste disco apresentam-se tão refinados como crus, criativos como sempre e tão indesculpavelmente iguais a si próprios como nunca. Ao convidarem três novos produtores para a sua casa, abriram alas a um tornado refrescante num género que, quer queiramos quer não, já foi batido e recaldado vezes sem conta. Para o futuro fica a esperança de que mais deste género se faça, que mais se experimente. Para já, contudo, fica a marca e o corpo cansado deixados por Black Bombaim.

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