Murmur | Regulator Records / Raging Planet | outubro de 2019
8.0/10
Os Wildnorthe estrearam-se no mercado da música em 2015 com AWE, o EP de estreia que os levou a uma incorporação relevante no escasso cenário da música nacional de traços negros. Composto por seis malhas onde os sintetizadores mais obscuros combinavam em harmonia com as guitarras poderosas, o disco mostrou-se uma boa surpresa em 2015 mas a revelação estava guardada para 2019, ano em que editam o seu primeiro longa-duração Murmur. Quatro anos que serviram para um processo de maturação altamente refinado que rendeu a produção de um disco que mostra que a darkwave não está assim tão morta em Portugal.
Murmur não trouxe apenas uma sonoridade requintada e pronta para ouvir em repetição constante, trouxe também um novo membro ao alinhamento da banda ao vivo, com um dos maiores bateristas do panorama português, João Vairinhos (The Youths, LÖBO, Ricardo Remédio) a trazer toda uma nova atmosfera “analógica” ao som amplamente eletrónico criado por Sara Inglês e Pedro Ferreira. As ambiências obscuras estão presentes tal como outrora, mas há uma aposta mais forte na imersão do ouvinte e na apropriação de ritmos altamente hipnóticos. Este efeito é logo experienciado com a reprodução de “Descend”, faixa que abre Murmur e que explora desde as camadas mais melancólicas aos ritmos energéticos, com uma astúcia surpreendente na transição de ritmos. Já está muito bom e ainda só estamos a começar.
O trabalho de estreia, que foi anunciado em outubro, começou por ser apresentado através da faixa “Howler”, um cocktail de synthpop incendiário com componentes da darkwave e uma voz masculina a cruzar elegância com poder. Estava ali o primeiro foco de atenção para aquele que viria a ser um disco altamente diversificado e por si só, estimulante. Murmur saiu a 21 de outubro na alçada da portuguesa Regulator Records em co-edição com a Raging Planet (com quem já tinham editado anteriormente AWE) e traz-nos nove faixas que enriquecem a história da música gótica em Portugal. Há elementos únicos que marcam, como é o caso daquele riff de guitarra à post-rock por volta do primeiro minutos e 20 segundos no tema “Death Is Precious”; ou da própria voz de Sara Inglês nos temas “Savage Eyes” ou “Passage” que nos traz à memória o tom vocal de Alison Lewis (Linea Aspera, Keluar, Zanias) e as próprias atmosferas sintetizadas da produtora: poder e fragilidade unidos numa só faixa.
Em destaque, fora os ritmos soturnos que envolvem todo este murmúrio, encontram-se as faixas mais ritmadas como “Sour” e a homónima “Murmur” (esta última a beber influências à EBM e techno) ou mesmo as mais desafiantes “Branch” e “Passage” – a englobar aquele som trágico altamente estimulante e a colocar em altas o interesse da dupla por temas como a natureza, morte e pela beleza que os sítios mais negros e improváveis aportam. E Murmur é isso mesmo, um retrato da decadência existencial e o próprio resultado dessa decadência como forma de expressão artística e da contemplação do negro como uma filosofia de vida. Um disco desafiador e prospeto para emergir como uma boa surpresa na cena underground que mora em força no panorama da música atual.
Definitivamente os Wildnorthe chegaram para pôr a mexer o cenário mais gótico em território português e trazem consigo um disco que tem tudo para os levar a tocar nas salas e festivais mais underground da Europa. Há a presença dos elementos que estão em altas no revivalismo gótico mundo fora e uma clara veia portuguesa que é sua e que traz alguns elementos inventivos face ao que se tem produzido na cena ao longo da última década. Murmur é um disco altamente dinâmico que consegue ser emotivo, poderoso, conquistador e acima de tudo, imersivo. Definitivamente um dos álbuns nacionais a ter em consideração nas listas dos melhores de 2019.