Cinco Discos, Cinco Críticas #60

| Setembro 8, 2020 2:24 pm

O mês de agosto é o mês preferencial de férias, de descanso, para relaxar na praia, contemplar as florestas e os rios. É também um mês em que geralmente abunda a disponibilidade para atualizar as nossas bibliotecas musicais, explorar novos lançamentos e géneros, reouvir clássicos. 

Na 60ª edição do Cinco Discos, Cinco Críticas reunimos apreciações dos mais recentes trabalhos de Crush Of SoulsBad Trip (2020, Third Coming Records), SreyaCãezinha Gatinha (2020, Maternidade), Pain of SalvationPanther (2020, InsideOut Music), A.G. Cook7G (2020, PC Music) e Gator, The AlligatorMythical Super Bubble (2020, edição de autor).

Nesta edição marcada pelo ecletismo, tanto podemos conviver com a pop inovadora e pegajosa, como ao mesmo tempo sentir o peso da progressividade metaleira, degustar um pouco de experimentação ruidosa e selvagem e ainda dançar ao som do típico rock garageiro. O cardápio é vasto e cabe-vos decidir o que querem tomar. 


Bad Trip | Third Coming Records | julho de 2020


7.0/10

O verão já se instalava de forma ténue pela Europa quando Crush Of Souls, o novo projeto criativo de Charles Rowell (Crocodiles, Flowers of Evil, Issue…), anunciava a sua estreia em formato curta duração na alçada da produtiva Third Coming Records. Intitulado Bad Trip, o disco – que nasceu de uma mudança geográfica na vida de Charles Rowell e o impacto fértil que resultou dessa modificação de espaço – começou por ser anunciado com o lançamento de “Pain & Ecstasy” um retrato da decadência e estética experimental que vigorariam em força no novo trabalho. Essa construção ruidosa resultante de feedbacks perturbantes, guitarras arrojadas e sintetizadores propulsivos embebe neste trabalho uma linha estética selvagem que, conjugada entre os mundos do art-rock, darkwave, post-punk, e/ou noise, alcança uma atmosfera sonora a trazer à memória o estilo único dos lendários Alien Sex Fiend.
Paris proporcionou sem dúvidas uma nova palete sonora e uma perspetiva experimental ao trabalho que Charles Rowell nos tinha mostrado desde então. Essa sensação emana logo nos primeiros minutos de Bad Trip presentes na abertura sci-fi em “Time Worm”, onde um saxofone sem rumo nos presenteia uma imensidão de prazer a relembrar um pouco do que os Niechęć consolidaram no seu segundo disco de estúdio. Segue-se um rock selvático de entranhas decadentes presente em “Kick”, “Pain & Ecstasy” e, mais tarde no homónimo “Bad Trip” e ainda uma pausa futurista com “Dog Bitten Cross”. Na abordagem explorativa encontramos, por fim, “Confusion”, uma amálgama sonora brejeira influenciada pela novo escola do techno underground europeu.
Ainda em modo revelação e de procura por um rumo singular, Bad Trip é um EP bastante diversificado e de abordagem criativa que possivelmente dará luz a um futuro de matéria consolidada e influente. Até lá, fica a amostra.

Sónia Felizardo


Cãezinha Gatinha | Maternidade | julho 2020


8.0/10

Cãezinha Gatinha é um disco feito de opostos. O segundo álbum de Rita Moreira, que responde pelo nome artístico de Sreya, foi escrito entre a República Checa, onde residiu durante oito meses, e a cidade de Lisboa, onde vive desde de sempre. É a partir deste contraste de climas e geografias – entre os invernos frios da Europa Central e o calor prazenteiro da capital portuguesa – que a cantora parte para uma aventura contagiante contada a partir de duas narrativas distintas: a cãezinha e a gatinha, o frio e o calor. 
Se na primeira metade somos assombrados pelos fantasmas de uma experiência furada, feita de amores e caminhos desalinhados, na segunda somos projetados para um processo revigorante de redescoberta pessoal que abre com a agitação eletrónica de “Canção do Desapego” (há traços de B Fachada na produção de Bejaflor) e avança para a energia de “Calma Coração”, aqui a representar a essência felina da Sreya renovada.
E se estes dois lados representam a dualidade inverno/verão, a canção “Iceberg […]”, que se situa entre os dois, representa o clima incerto da primavera, entre as chuvas de abril e os dias ventosos de maio. É uma canção grande feita de pequenos nadas – como são as de Maria Reis e Sallim – que expurga as mágoas do passado para iniciar um novo e  necessário ciclo de aceitação.
Filipe Costa



Panther | InsideOut Music | agosto de 2020


7.3 / 10

Os veteranos suecos da música progressiva mais pesada Pain of Salvation lançam o seu décimo-primeiro álbum, Panther, pela InsideOut Music. A banda é conhecida por dar uns twists comedidos mas substanciais a cada novo álbum na sua fórmula musical de metal/rock progressivo (com as polirritmias, variações soft/hard e síncopes da praxe) com um certo cariz alternativo ali no meio, que são por sua vez canalizadas por uma considerável carga emocional – cortesia do seu vocalista e mastermind Daniel Gildenlow. Neste álbum, composto ao todo por oito faixas, a banda tomou uma direção um bocado mais esotérica e mais virada para a eletrónica. Há que dar crédito a banda, que parece aqui estar a dar o litro para a fórmula resultar. Mas no seu todo, há uma ou outra fava que não acrescenta grande coisa ao alinhamento, como os esquecíveis “Restless Boy” e “Fur”, ou a  “Keen to a Fault” cuja única distinção é o seu refrão pujante (o tema-título, apesar de forte, também conta com o seu rap manhoso no início), e as letras – que evocam temas como empoderamento mas geralmente acabam por ser pouco inspiradas – também não ajudam ao caso. Todavia, quando o álbum se torna bom, torna-se bastante bom (pelo menos, instrumentalmente) como no início de álbum bastante empolgante em “Accelerator”, a vibe mais obscura adequada a uma faixa chamada “Unfuture”, “Wait” e “Icon” a serem discutivelmente as faixas mais proggy do alinhamento, e “Species” a demonstrar uma alma característica com instrumentação acústica mais presente. Em conclusão, é um álbum inconsistente, provavelmente resultante da sua própria ambição e de não conseguir cumpri-la em pleno, mas tem os seus momentos bastante aprazíveis que demonstram a vontade constante da banda em evoluir o seu som da maneira que bem lhe convier. 
Ruben Leite



7G | PC Music | agosto de 2020


8.0/10

Produtor, compositor, fundador da editora PC Music e colaborador de Charli XCX, Hannah Diamond e Jónsi, A. G. Cook foi um dos principais propulsores da música pop e eletrónica mais inovadora dos últimos anos. Após ocupar um papel importante, mas fora de foco em diversos discos, lançou finalmente o seu álbum de estreia, 7G. Composto por 49 faixas divididas em 7 partes, este é um showcase dos talentos e polivalência de A. G. Cook, que aborda diferentes géneros musicais e sonoridades em cada secção do disco. O nome de cada uma das 7 partes corresponde ao seu instrumento principal: Drums, Guitar, Supersaw, Piano, Nord, Spoken Word e Extreme Vocals. 
Com quase 3 horas de duração, 7G tem muito para oferecer a ouvintes com variados gostos musicais. Vai do minimalismo da música ambiente ao caos e rapidez do drill ‘n’ bass, passando por IDM, glitch, pop, bubblegum bass e até música clássica (em “Waldhammer”). Na secção focada em guitarras há espaço para inesperadas canções intimistas que remetem para o indie folk ou o rock alternativo, destacando-se nessa faceta “Being Harsh”, cuja sonoridade faz lembrar Alex G. A tracklist integra maioritariamente composições originais, mas há espaço para uma série de interpretações de temas de Blur, Taylor Swift, The Strokes e The Smashing Pumpkins, entre outros.
7G resume as explorações sonoras que A. G. Cook tem realizado ao longo dos últimos anos, mas este continua a trabalhar e o lançamento do segundo álbum, Apple, é já no próximo dia 18 de setembro.
Rui Santos


Mythical Super Bubble | edição de autor | setembro de 2020


7.5/10

Os Gator, The Alligator são quatro rapazes de Barcelos, Eduardo da Floresta, Ricardo Tomé, Filipe Ferreira e Tiago Martins, e trazem consigo boas doses de fuzz e garage rock de tonalidades psicadélicas. Já foi assim em 2018 quando Gator, o jacaré hiperativo, nos presentou com Life is Boring, retratando os dilemas e emoções mais comuns do dia-a-dia, o medo, o amor, a raiva, o aborrecimento, as conquistas, as derrotas. 
Num ano mais complicado para todos nós e para o Gator, em que poucas foram as oportunidades de viajar e de conhecer novas realidades como ele tanto queria, foi altura de se reinventar e procurar alternativas. Surgiu assim Mythical Super Bubble, uma jornada em formato quest, que põe de lado as questões que regem a vida e assume uma dimensão cósmica e utópica.
Mythical Super Bubble apresenta-se com oito faixas curtas repletas de eletricidade. Os primeiros três temas “Pact”, o single “Feral Rush” e WShiny Endless Glow” parecem pertencer ao mesmo universo sonoro, com transições bem fluídas, quase como só estivesse a ser interpretada uma única canção. Depois do ritmo frenético inicial, é nos possível recuperar o fôlego com os minutos iniciais de “Gumba Lumba World”, a canção que mais faz jus à temática aventureira que abunda neste trabalho. Mas como este disco não foi feito para descansar as pernas, as descargas atingem valores máximos em temas como “Strikes and Gutters” e “Burst”.  
Mythical Super Bubble é um bom disco de rock cru e energético, especialmente recomendável àqueles que já há muito não põe os pés num concerto para dançar. O lançamento está agendado para o final do mês.
Rui Gameiro

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