Cinco Discos, Cinco Críticas #63

| Novembro 30, 2020 12:13 am
Cinco Discos, Cinco Críticas #63


Na última edição do Cinco Discos, Cinco Críticas do ano 2020, colocamos em repetição na playlist o disco de estreia dos portugueses YAKUZA – com AILERON (2020, edição de autor), do americano Tyler Odom em Your Arms Are My Cocoon (2020, edição de autor), o EP de estreia dos Spectrograph intitulado A Giant Leap of Faith (2020, Depths Records), o novo de Aesop RockSpirit World Filed Gidude (2020, Rhymesayers) e ainda a também promissora estreia de Luís Pestana, em Rosa Pano (2020, Orange Milk Records).
Os respetivos trabalhos – que se encontram disponíveis para escuta integral abaixo – seguem acompanhados por uma pequena revisão do seu resultado final e podem descobrir-se abaixo.


AILERON | edição de autor | novembro de 2020

8.2/10 

YAKUZA é um trio lisboeta formado por Afonso Serro (teclista), André Santos (baixista) e Alexandre Moniz (baterista). A banda apresenta em AILERON, o seu álbum de estreia, uma sonoridade nu jazz muito groovy e dançável, repleta de ritmos irresistíveis.  As primeiras três faixas mantêm uma pulsação constante e progridem de forma muito natural, tendo mudanças de secção tão fluídas que podem ser impercetíveis. Onde poderiam ser tocados solos ou melodias adicionais, a banda deixa espaços abertos. O foco está no groove, nas interações dinâmicas entre os membros da banda, que vão introduzindo pormenores deliciosos no meio dos riffs e das batidas. 
É nas colaborações com outros músicos que se encontram alguns elementos mais tradicionais do jazz, como solos e o uso de piano em vez de sintetizador. A composição que mais avança nessa direção é a brilhante “PICHELEIRA”, com o seu walking bass e uma batida muito à base dos pratos da bateria. Ainda assim, esta conta com o som mais característico do trio nos seus minutos finais, durante os quais os timbres do sintetizador passam para primeiro plano. 
Em “KATANA”, a melodia principal de sintetizador, a fazer lembrar os RPG’s japoneses dos anos 90, serve de ponto de partida para uma jornada onde as guitarras e os teclados vão surgindo e desaparecendo agilmente. Perto do final, a guitarra entra com especial distorção e agressividade, subindo a intensidade até ao regresso triunfante da melodia inicial. “ADAGIO” finaliza o álbum de forma mais tranquila, criando e quebrando alguma tensão suavemente. 
O primeiro disco dos YAKUZA é uma excelente surpresa que alia o jazz à música eletrónica, recomendável a fãs de artistas como BADBADNOTGOOD ou Kamaal Williams.
Rui Santos



Your Arms Are My Cocoon | edição de autor | setembro de 2020 


9.0/10 

Your Arms Are My Cocoon é o projeto a solo do estadunidense Tyler Odom, sendo este EP homónimo o primeiro fruto dessa mesma ideia. 
Ora, este disco é uma fusão de dois mundos contraditórios – o bedroom pop e o screamo – que, em circunstâncias habituais, jamais seriam vistos juntos. Todavia, este crossover acaba por, surpreendentemente, resultar numa perfeita coabitação. Instrumentalmente, temos uma sonoridade bastante açucarada e devaneadora, mas ao mesmo tempo potente e desesperativa, sendo esta última definição, o cimento que permite a colisão destes dois mundos, fortificado pelos vocais gritados e nas evidentes influências do folk e do math rock. 
Eu creio que é seguro dizer que este EP se trata de uma experiência bastante única. Claro, continua a ir buscar influências de outros artistas contemporâneos como Alex G, Dandelion Hands e Toby Fox, mas continua a ter uma identidade bastante própria e muito difícil de esquecer, principalmente em faixas como o impactante e avassalador “In October 2019 I Called a Suicide Hotline for the First Time in My Life” ou o instrumentalmente aconchegador “Metamorphosis”. 
No fundo, creio que este disco é uma experiência inabitual, sendo essa a sua principal magia. O seu teor inesquecível torna-o num dos projetos que mais apreciei ao longo deste ano e fico com curiosidade em saber como se irá desenrolar esta jornada em projetos futuros.
João Pedro Antunes



A Giant Leap of Faith | Depths Records | novembro de 2020 

8.0/10 

Depois de oito anos a moldar a sua personalidade própria numa eletrónica de vestes sombrias, os Spectrograph perderam a timidez e decidiram colocar cá para fora o EP que marca a sua estreia nos lançamentos, A Giant Leap of Faith (disponível para compra aqui). O disco de quatro faixas apresenta uma visão moderna ao mercado do post-industrial e dark ambient music, caracterizando-se em pleno pelos ritmos densos e as ambiências noir e psicóticas que ganham evolução no avanço da escala temporal. 
Em A Giant Leap of Faith o produtor e DJ Phiorio (Metroline Limited) e a cantora / multi-instrumentista Virginia Bones (Geography Of The Moon) apostam numa abordagem noise minimal que equilibra desde as paisagens psicologicamente densas, às mais estimulantes e, por vezes, perturbantes. Exemplo claro disto encontra-se logo no single homónimo “A Giant Leap of Faith” que inicia no formato sinistro, mas controlado, para ganhar auge nos minutos finais onde Bones expurga demónios no exercício vocal. Mas antes de chegarmos até aqui, já a dupla nos proporcionou uma grande performance na pista de dança techno dark “Dmbt” – que dá abertura ao disco – e, ainda, um estado de alienação em “Dead Kittens”. Para a despedida a banda sintoniza-nos “If You Think You Can Fly”, uma malha eletrónica inspirada na world music, vasta em elementos orgânicos e tribais e pronta para se fazer dançar de início ao fim. 
Os Spectrogaph demoraram algum tempo para mostrar o que andavam a fazer na cave, mas na estreia mostram-se surpreendentes e com uma atitude pegajosa na eletrónica experimental que constroem. A Giant Leap of Faith é um EP que, mesmo por entre caminhos mais inquietos, promulga a vontade consecutiva de permanecer em viagem, ora sintonizem:
Sónia Felizardo



Spirit World Field Guide | Rhymesayers | novembro de 2020 

8.3/10 

Veterano da onda mais alternativa do hip-hop americano e dono de um vocabulário absurdamente versátil, o rapper Aesop Rock dispensa apresentações. O artista e produtor de beats nova-iorquino regressa com o seu oitavo álbum de originais apelidado Spirit World Field Guide, editado pela label Rhymesayers, e nas palavras do próprio, o conceito consiste em descrever uma espécie de expedição num mundo paralelo (ainda) mais esotérico que o habitual. 
Como em qualquer outro registo anterior, as letras intensas e com milhentas demonstrações virtuosas de wordplays e o delivery impassível tão próprios de Aesop Rock imperam neste disco, ilustrando a jornada pelo Spirit World com o habitual abstracionismo verbal astuto, várias referências miscelâneas a obras como Raising Hell e Eraserhead e a elementos mais históricos/mitológicos, e paralelismos com assuntos pessoais para tornar a aventura numa experiência um bocado mais empática. A produção, geralmente falando, também tem vários momentos de destaque. Os instrumentais presentes nas faixas são bastante diversificados em termos estilísticos, indo desde instâncias mais agressivas até momentos mais vívidos e funky. Naturalmente, e apesar de algumas faixas mais fracas, os pontos altos vêm mais frequentemente ao de cima graças à saudável variedade levada a cabo ao longo das vinte e uma faixas que constituem o alinhamento, cujos destaques recaem sobre a mais confrontacional “Gauze”, a “Kodokushi” e a “Marble Cake” que demonstram uma atmosfera mais soturna e buliçosa, e também o lado mais vivaço do álbum com os single “Pizza Alley” e a “Attaboy”. Para o bem e para o mal, este álbum e o seu conceito demonstram uma visão mais faustosa da imaginação sempre irrequieta de Aesop Rock, pelo que se recomenda vivamente aos fãs do género que ouçam Spirit World Field Guide.
Ruben Leite



Rosa Pano | Orange Milk Records | novembro de 2020


8.5/10 

Rosa Pano, a estreia de Luís Pestana em longa-duração, encontrou casa no sítio mais improvável. A americana Orange Milk Records, conhecida por albergar alguns dos mais inventivos documentos da música eletrónica progressiva moderna, é responsável por selar o mais recente trabalho do guitarrista dos extintos LÖBO, que apresenta no seu primeiro álbum um tratado de eletrónicas pastorais inspiradas nas canções de embalar que a sua mãe lhe cantava em pequeno. 
Composto por oito faixas que balançam entre a insustentável beleza do drone e as qualidades renovadoras da música tradicional portuguesa, Rosa Pano distancia-se das paisagens oníricas da editora americana – que tem em Foodman, Giant Claw e Machine Girl alguns dos seus maiores representantes -, apostando nas potencialidades da composição eletroacústica para construir o seu próprio folclore
Resultado de vários anos a explorar um discreto mas promissor percurso a solo, o disco apresenta uma comunhão perfeita entre instrumentação acústica e as técnicas digitais, equilibrando coros e sinos de igreja, instrumentos de sopro e sanfona com a utilização de loops, feedback e samples de ordem vária. Em “Asa Machina”, um dos temas de Rosa Pano, escutam-se arpejos reminescentes das composições de Tim Hecker e Oneohtrix Point Never; “Arde Asa” tem a veia industrial de Ben Frost e acrescenta músculo à composição; “Ao Romper da Bela Aurora” resgata a canção com o mesmo nome do Grupo Vozes do Alentejo, de Janita Salomé, e funde cantares regionais do Alentejo com monolíticas paredes de som e ruído concreto. 
O álbum atinge o seu clímax emocional no épico de 9 minutos que encerra Rosa Pano. Soltam-se uivos e sirenes, sinos e vozes deformadas enquanto um mar etéreo de eletrónicas se desenvolve progressivamente num crescendo que culmina com o silêncio abrupto que encerra o disco.
Filipe Costa

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