Cinco Discos, Cinco Críticas #64

| Fevereiro 2, 2021 10:30 pm
Cinco Discos, Cinco Críticas #64
O arrancar de novo ano trouxe alguns aperitivos de entrada onde destacamos as mais recentes edições de Fax Gang com Aethernet (no agreements), o disco que marca a estreia nos longa; o regresso a solo de Miho Hatori após extinção da sua banda Cibo Matto, com Between Isekai and Slice of Life (Caroline International); a apelativa estreia dos norte-americanos Club Sinister nos lançamentos com o EP dream goth Club Sinister (sef-released); o coletivo artístico Colônia, com o esforço Melaço (problemas dos outros), num disco 100% gravado à distância; e ainda um clássico nome no panorama, os Weezer – que no mês passado colocaram cá para fora Ok Human (Crush Music).

As opiniões relativas aos supracitados trabalhos podem ler-se na nova edição do Cinco Discos, Cinco Críticas e seguem pormenorizadas abaixo.


Aethernet | no agreements | janeiro 2021 


7.5/10 

A crescente tentativa de atribuir nomes a microgéneros musicais, fomentada pelas omnipresentes playlists de Spotify, tem vindo a gerar novos movimentos como a hyperpop ou o glitchcore. Um dos casos mais recentes é o surgimento da música hexd, expressão com particular relevância em plataformas como o Discord e o Rate Your Music que se caracteriza pelo uso inconsequente do bitcrushing como principal matéria de produção. Os Fax Gang, coletivo de origem geográfica diversa, são os maiores representantes deste movimento e o seu primeiro álbum, o antecipado Aethernet, é o seu primeiro grande testemunho. 
Composto por quatro produtores e um vocalista, todos residentes em países diferentes, os Fax Gang são fruto de um geração ligada à corrente. O grupo opera sob um regime semelhante ao de Madlib e MF Doom nos tempos de Madvillainy, trocando beats e gravações de forma alternada, mas aqui sob um contexto exclusivamente digital que é reflexo dos tempos de hoje. Depois um aclamado EP editado nos primeiros metros de 2020, o grupo assinala a sua estreia em longa-duração com um trabalho mais maduro e desenvolvido a nível da mistura e masterização, cortesia de PK Shellboy, o MC-produtor responsável por untar as várias peças que compõem Aethernet. Ao incorporar efeitos de bitcrushing nas várias camadas da composição, o músico filipino está a abordar a compressão e as texturas de baixa-resolução não como um defeito, mas como um adereço vital à produção – como se de um novo instrumento se tratasse. Mas é nos momentos mais limpos que se verifica o verdadeiro potencial do grupo: “Fallen”, o quinto tema do disco, apresenta um ângulo mais polido e assumidamente trap sem nunca descurar a atmosfera que os caracteriza. 
Ainda é cedo para antecipar o impacto que os Fax Gang terão no futuro, mas os nove temas que compõem Aethernet garantem-lhes uma posição segura na lista dos nomes a ter em conta em 2021.
Filipe Costa 



Between Isekai and Slice of Life | Caroline International | janeiro de 2020 

9.3/10 

Between Isekai and Slice of Life é o novo álbum a solo da multi-instrumentalista Miho Hatori, marcando o seu regresso aos álbuns de estúdio após a extinção dos Cibo Matto, grupo no qual era vocalista, em 2017. 
Neste LP, a artista japonesa modernizou o seu som, verificando-se bastantes influências em géneros como o hyperpop, mas com moderação. Além disso, Hatori demonstrou saber exatamente quando deve ser adotado um som mais frenético e irrequieto – como mostra em “Bonaire” – ou quando deve ser trazido à baila uma veia mais virada para um club vanguardista com um tanto de electropop – como em “Tokyo Story” ou “Desire” -, acabando por criar um projeto repleto de faixas frescas e orelhudas. 
Esta nova Hatori, apesar de fazer lembrar nomes como 3776, Arca e Charli XCX, mostra ter uma identidade própria, não se deixando ficar pelo som mais indie e pop japonês que marcou os Cibo Matto
No fundo, este LP foi experiência agradável e aconselhável, sendo uma das primeiras grandes surpresas que 2021 nos traz. 
João Pedro Antunes 



Club Sinister | self-released | janeiro de 2020
 

7.5/10 

Os Club Sinister apareceram no radar no mês que finalizou um dos anos mais tristes na indústria da música nas últimas décadas. Chegaram, contudo, com uma suavidade e fragilidade que não se esperava: de carácter contagiante e estrutura amplamente harmoniosa. Tão doce quanto negra. 
A dupla norte-americana que junta Alex Horton e Ian Weidner ganhou corpo em 2020 depois de um percurso bastante diversificado, nos últimos anos, em projetos paralelos. Fortemente influenciados pelas linhas estilísticas do post-punk, as estruturas melódicas da dream pop e os arranjos do rock independente, os Club Sinister estreiam-se com brilho neste EP homónimo, ao abraçarem uma produção enaltecida por camadas de som devaneadoras, mas altamente confortáveis. Fora a dimensão sonora abordada, os Club Sinister também somam pontos no carácter delicado emanado pelos vocais translúcidos e frágeis de Ian, emancipado a costela dream goth do duo. 
Ao longo de seis temas os Club Sinister apostam com força em ritmos melancólicos aos quais incorporam guitarras diluídas num trabalho vocal condutor e profundamente marcante. Prova disso chegou com o aperitivo de entrada “Beyond Bleeding”, uma mistura cintilante de post-punk contemporâneo com a onda sonhadora dos 90’s, a rodar em loop desde novembro. Com Dezembro posto foi a vez de “Sheol” – um tema mais negro na personalidade – a voltar a evidenciar o traço promissor da dupla, sentido desde início. Além dos supracitados, em Club Sinister ganham destaque também temas como “Back from the Grave” – pelo uso de samples no final do tema, algo não tão comum dentro da estética que abordam nesta estreia –  e o tocante tema de encerramento “Creeping Towards the Deep End”. 
Apesar de não terem nenhuma label a oficializar este trabalho no formato merecido, a verdade é que Club Sinister EP é um bom posto de consolo e, talvez, os Club Sinister tenham chegado para marcar tempos vindouros na cena underground. Até lá, “join the club!“.
Sónia Felizardo 



Melaço | problemas dos outros | março de 2021 

8.0/10

Os Colônia são um coletivo artístico que se fundou em 2010, na cidade de São Paulo, pela mão de Vinícius Abara, Mariana Mink e Paulo Mulan, inspirados pela visita à cidade portuária uruguaia de Colônia do Sacramento. Estudantes de design gráfico na altura em que se juntaram, o trio reuniu em Melaço, EP de estreia, os temas a que se têm dedicado na última década, gravados e compostos à distância – Mariana vive no Uruguai desde 2013. 
Constituído por quatro temas, Melaço inicia-se com o tema título e mostra logo ao que vem: drones embebidos em distorção, trazendo à memória ecos distantes das guitarras que se ouvem em My Bloody Valentine. O tema seguinte, “Lua de Prata”, invoca ambiências distópicas, acompanhadas por uma batida distante e concreta. Com 10 minutos de duração, “Como Nossos Pais” é o tema mais longo de Melaço e sampla a canção de mesmo título, da autoria de Elis Regina, que aqui recebe um tratamento abrasivo e ruidoso. Por último, “Lua de Prata” sofre uma transformação às mãos de Pocitos Trashbag, adquirindo as texturas próprias do ambiente japonês dos anos 80. 
Melaço assume-se assim como o arquivo da vida da banda nestes últimos 10 anos, uma reaproximação às sonoridades anglo-saxónicas que dominaram o fim dos 80 e o início dos 90 no Reino Unido, sem nunca esquecer as raízes da pop brasileira dos anos 80. O EP tem edição agendada para 15 de março, com o carimbo da paulistana problemas dos outros. 
Rui Gameiro


OK Human | Crush Music | janeiro de 2021

7.8/10 

Há cinco anos aventurei-me pela discografia dos Weezer. Do Blue ao White, ouvi todos os onze álbuns que criaram ao longo de mais de duas décadas. Tirando os dois já referidos, nenhum deles me convenceu, o que me fez ignorar os seus vários lançamentos ao longo dos últimos anos, entre os quais um disco de covers e uma música para a banda sonora do Frozen 2
Agora, chegado 2021, os Weezer editaram OK Human, álbum que me deixou desconfiado desde que o seu nome foi revelado. Após uma cover de “Africa”, dos Toto, ter surgido de uma piada no Twitter, receei que a referência aos Radiohead fosse apenas uma nova reação da banda aos memes criados à sua volta. Sem grandes expetativas, li alguns comentários positivos; decidi dar-lhe uma oportunidade e fiquei surpreendido pela positiva. 
A banda presenteia-nos aqui com uma série de canções pop rock, como habitual, mas o piano e uma secção de cordas e sopros ocupam agora o centro da instrumentação. As guitarras distorcidas dão lugar a arranjos suaves e vibrantes que, aliados a letras simples, engraçadas e sentimentais, trazem um charme especial à música, uma humanidade que acaba por dar sentido ao título do disco. “All My Favorite Songs”, “Playing My Piano” ou “Numbers” estão entre as melhores canções dos Weezer e provam que a banda ainda tem talento para melodias orelhudas. OK Human é um curto e sólido conjunto de músicas alegres, com alguns toques de dramatismo e uma sensação de aparente despreocupação típica da banda. Versos como “Put on some white noise, double-bolt the door / Kim Jong Un could blow up my city, I’d never know” refletem o carácter das letras e o ânimo do álbum. 
Rivers Cuomo e companhia continuam em grande atividade e têm agendado para maio mais um álbum com um trocadilho no título, Van Weezer, onde estarão de volta às guitarras, inspirados pelo hard rock e o heavy metal dos anos 70 e 80. Dedos cruzados!
Rui Santos