Daisy Mortem em entrevista: “Alimentamos este monstro desde que somos crianças e acho que isso nos salvou”

Daisy Mortem em entrevista: “Alimentamos este monstro desde que somos crianças e acho que isso nos salvou”

| Julho 28, 2021 11:36 am

Daisy Mortem em entrevista: “Alimentamos este monstro desde que somos crianças e acho que isso nos salvou”

| Julho 28, 2021 11:36 am

Autoproclamado duo cyber-goth, Daisy Mortem é o monstro de Vampiro Maracas (VAMPI) e Cindy Bluray. Entre lançamentos avulsos de formato reduzido e digressões como ato de abertura para JPEGMAFIA, GFOTY e IC3PEAK, o duo de Bordéus estreou-se nos lançamentos de longa-duração com Fait Divers, vulcânica investida pela pop mais extravagante que recebeu o selo da NAPP RECORDS, da produtora argentina Catnapp (atuou em junho na primeira edição do festival Fenda). Fausse nouvelle, o mais recente trabalho do duo, assinala a sua primeira coleção de remisturas e reúne um notável leque de convidados das mais variadas expressões para conferir novos tratamentos aos originais presentes no seu antecessor. Há também uma versão de “Prohibition”, da cantora e poetisa francesa Brigitte Fontaine, bem como novas roupagens que a dupla acrescenta às suas próprios criações. 

Em conversa por mail, aproveitamos para aprofundar um pouco mais sobre esta “falsa nova” em formato remix, os efeitos da pandemia no efusivo M.O. do duo e o percurso que levou à origem desta fascinante criatura a que apelidam de Daisy Mortem.

Para quem não vos conhece, quem são os Daisy Mortem? Como é que se conheceram e o que pretendem alcançar com este projeto?

Cindy: Daisy Mortem é um monstro. Alimentamos este monstro desde que somos crianças e acho que isso nos salvou. Às vezes, os monstros são bons. Só queremos continuar a viver em paz com esse monstro, crescendo e vendo se ele pode salvar outras almas perdidas como nós.

Porquê um álbum de remisturas? Quais são as principais ideias e motivações por trás de Fausse nouvelle?

Cindy: Sempre amámos remixes, versões alternativas e versões desconstruídas das nossas faixas favoritas – como adolescentes éramos fascinados pelo Further Down the Spiral, por exemplo. Acho que é uma parte muito importante da nossa visão artística dado que deixa as músicas indefinidas, como se se tratasse de música “open source”. Todo o nosso projeto artístico consiste principalmente em pesquisar e experimentar para descobrir quem somos, para descobrir as nossas identidades. Portanto, um álbum de remitiras mostra perfeitamente essa dinâmica.

Como é que foi feita a seleção dos artistas responsáveis pelas remisturas?

VAMPI: Não houve uma seleção em si, foi mais uma conexão com os artistas que amamos. Eles são todos muito diferentes em termos de estilo, então criar um mundo onde pudemos tocar todos juntos e separados uns dos outros foi super divertido.

E como funcionou o processo das remisturas? Deram muitas orientações aos convidados?

VAMPI: Não havia direção. A única regra era destruir as nossas canções.

Vocês também dão o vosso próprio input neste disco. Por que é que acham que a vossa interpretação do tema “Prohibition”, da Bridgitte Fontaine, se enquadraria numa coleção desta natureza?

Cindy: Ainda é sobre explorar e confrontar novas experiências para aprender – e para nos sentirmos vivos – no fim do dia. Ficámos tocados com este texto escrito pela Brigitte, um ícone do punk francês de 81 anos. Foi uma experiência profunda trabalhar com as palavras dela e descobrir como correspondem com as nossas vidas, como funcionam com a nossa própria música e os nossos próprios sentimentos. O seu refrão é “I’m an old lady and I fuck you in the ass / With my dragonfly style / I’m an old lady and I’m gonna die”. Quando estou a ouvir a música dela fico com vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Simplesmente sinto que está dentro de mim, dentro de nós, e eu queria mergulhar mais a fundo nessa experiência.

Vampi, remisturaste recentemente o tema “Doce Linguagem”, da EVAYA. Como é que surgiu esta sinergia?

VAMPI: Descobri a EVAYA com o seu EP INTENÇÃO. Fui imediatamente inspirado pelos vocais assombrosos e a sua abordagem experimental. Adorei levar a música numa direção orgânica e digital.

A identida visual dos Daisy Mortem é muita distinta, desde as capas dos álbuns aos vídeos e fotos que os acompanham. Podem situar um pouco as vossas referências, tanto a nível visual como musical?

Cindy: A maioria dos nossos visuais são realizados pela nossa diretora artística Charlotte Pouyaud, que é uma espécie de membro-fantasma da banda. Podem espreitar o trabalho dela se estiverem curiosos. 

Enfim, já faz algum tempo que não temos muito interesse em partilhar referências musicais porque sentimos que não é isso que mais nos influencia. Sou influenciado pelas pessoas que conheço, por situações em que me envolvi – boas ou más. Sou influenciado pela minha cidade natal, o meu bairro, pelo que leio no jornal. Por cidades, por bares, por postos de gasolina. Acho que é mais interessante traduzir várias experiências verdadeiras ou fictícias que influenciam a nossa música do que tentar encaixá-la em qualquer género musical.

VAMPI: Eu sou um pouco o oposto. Não sou realmente influenciado pela minha vida diária, sou mais influenciado pela sedução de escapar dela. A música é uma forma de criar uma nova realidade. Visualmente, a nossa música traz muitas imagens para o ouvinte, portanto, ao trabalhar com Charlotte, ela traz uma abordagem completamente diferente à nossa visão inicial das faixas, ao mesmo tempo que preserva (ou eleva) a intenção artística dos Daisy Mortem.

Vocês são também conhecidos pela entrega efusiva que incorporam nas vossas performances ao vivo. Com uma pandemia em andamento, e os concertos em standby, como é que se estão adaptar a este novo contexto de isolamento? Sentem que isto afetou a vossa abordagem à música de alguma forma?

Cindy: O álbum de remisturas foi um projeto perfeito para preencher o vazio deixado pela pandemia. Trabalhar nisso, e na OST do primeiro filme da Charlotte Pouyaud, Spybird, foi uma ótima maneira de escapar da nossa realidade e da sensação de estarmos presos nos nossos quartos. Mas agora sinto cada vez mais a necessidade de estar novamente na estrada e de fugir do meu ambiente. Embora estivesse feliz por trabalhar em todas essas coisas (evitava que eu ficasse deprimido), agora sinto cada vez mais a urgência de dar espetáculos. Atuar ajudou-me realmente a encontrar um equilíbrio na minha vida, desde que eu era adolescente. Não posso viver sem isso.

VAMPI: Sempre tivemos uma abordagem ao vivo sobre a nossa música. O nosso álbum de estreia, Faits Divers, é o exemplo perfeito dessa intensidade histérica. Em palco, queremos criar um momento, uma performance, e é aí que as nossas músicas realmente ganham vida. A melhor maneira de ouvir Daisy Mortem é definitivamente ao vivo. Se algum booker estiver a ler isto, adoraríamos voltar a tocar em Portugal!

Fotografia de Mathias Adam

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