Cinco Discos, Cinco Críticas #72

| Janeiro 27, 2022 3:11 pm

Janeiro ainda nem terminou, mas já há muita música nova para ouvir, incluindo alguns lançamentos de alto perfil que já marcaram 2022. The Weeknd e FKA twigs surpreenderam os fãs com os seus novos discos, mas no panorama da música mais alternativa foi Burial que protagonizou o mais ansiado regresso, lançando-se no mundo da música ambiente com Antidawn EP. Ainda dentro da música eletrónica, destacamos também os novos lançamentos de Park Zero e Strawberry Hospital, artistas independentes que apresentam sonoridades mais pesadas e agressivas. No que toca a música pesada, mas não eletrónica, escrevemos algumas palavras sobre o metal progressivo dos Wilderun, e, descendo a intensidade, recordamos um disco nacional de 2021 que tinha ficado por mencionar: Life, Love, Loss & Death de Tio Rex.

Park Zero – Proxy [Edição de autor]

Proxy é o novo álbum de Park Zero, também conhecida como The Ballads. Juntando os dois alter-egos, é o 13º disco da artista britânica desde 2019.

Neste lançamento, editado independentemente logo no primeiro dia de 2022, Park Zero tenta adaptar o estilo da música de dança eletrónica ao avassalador poder frenético do power noise, criando 45 minutos de pura dança agressiva, barulhenta e ritmicamente caótica. Além disso, Proxy tem também um certo ecleticismo colado à sua testa, sendo capaz de criar um certo sentimento de progressismo a partir da mudança de vibes sem perder a sua sequência, coesão ou essência. O maior exemplo disso são as faixas “Shortest Day”, “Longest Night” e “Death From Above (Desert Sun)”, que conseguem capturar sentimentos opostos usando exatamente as mesmas ferramentas, para depois dar espaço ao pique da dança mecânico-dissonante: “East of Eden”. Nesta faixa, tocamos num numa espécie de glitch industrial de uma forma que faz lembrar as fórmulas da eletrónica mais pesada que o Reino Unido tinha para oferecer nos finais dos anos 80 para inícios de 90, como Clock DVA, Meat Beat Manifesto e Nitzer Ebb, mas com algumas modernidades em cima. Claro, ainda há fatores a melhorar em projetos futuros, desde a produção até à capacidade de saber fechar um álbum de forma mais impactante (a última faixa, “Funeral Song (Goodbye Cruel Friend)” tem o seu valor enquanto faixa individual, mas não me parece encaixar no projeto como um todo, muito menos parece ser a canção ideal para vermos as cortinas fecharem).

A eletrónica de 2022 já começou bem, e avé ao algoritmo dos charts do RateYourMusic por nos trazer álbuns como este para cima da mesa. Se Park Zero continuar com o seu streak, provavelmente veremos mais alguns projetos (sim, plural) ainda este ano e, após ouvir Proxy, admito que existe uma certa curiosidade a pairar pelo ar. Como será que Park Zero irá evoluir a partir daqui? Em breve saberemos, suponho. No entanto, até lá, ela fica já com o meu respeito e reconhecimento pelo talento demonstrado.

João Pedro Antunes

Burial – Antidawn EP [Hyperdub]

Parece apropriado. No ano em que os clubes e discotecas voltaram a fechar, o músico e produtor londrino Burial — nome maior das movimentações dub britânicas — lançou-se na sua maior investida por território ambiental até à data. Antidawn, o mais recente registo de William Bevan, reúne cinco novas peças ao longo de 44 minutos de música predominantemente instrumental, reduzindo o pulsar vibrante do techno e das marcações 2-step que definem grande parte do seu trabalho a evocativas nuvens de vapores e ruídos abstratos.

Não é a primeira vez que o vemos explorar estes domínios — temas como “State Forest,” “Beachfires” ou “Subtemple”, publicados em diferentes registos de curta duração ao longo da última década, já haviam demonstrado o desejo do artista em alcançar outros planos próximos da deriva —, mas é a primeira vez que o vemos fazê-lo num lançamento com esta dimensão (Antidawn é o maior registo de Burial desde o clássico Untrue, de 2007, mas o músico prefere considerá-lo antes como um EP).

A partir das texturas crepitantes do grão, da estática e das poeiras do vinil, bem como de outros sons em decomposição, como a chuva e os trovões à distância ou o rumor do metro e do tráfego que habitam o espaço urbano de Londres, Burial pinta um retrato sorumbático do atual estado das coisas, feito de vozes fantasmagóricas, ecos pop esquecidos e pequenos motivos de harpa e orgão de igreja.

Burial continua a soar igual a si mesmo, único e irrepetível, e não podíamos desejar outra coisa.

Filipe Costa

Strawberry Hospital – Data.viscera [edição de autor]

Juntando batidas e sons eletrónicos trance a riffs e ritmos de bateria metal e punk, o novo disco de Strawberry Hospital tem uma sonoridade bastante dinâmica, marcada por transições rápidas, mas eficazes entre secções calmas e pesadas.

A artista apresenta Data.viscera como uma representação das diferentes fases do luto, estando cada faixa relacionada com memórias e fantasias específicas. Isto é transmitido parcialmente através das letras, que são quase indecifráveis se não forem ouvidas e lidas em simultâneo. Ainda assim, mesmo que o conceito específico não seja aparente para todos os ouvintes, a existência de uma progressão ao longo do EP é evidente. Cada música tem um papel diferente: “Endo” é a faixa mais agressiva, contrastando riffs pesados e uma bateria muito intensa com elementos eletrónicos mais suaves. Está entre metal e banda sonora de um Final Fantasy moderno. “Azure” é mais dançável e melódica, enquanto “Kohaku” serve como interlúdio instrumental ambiente. Para finalizar, “Squall” tem um carácter mais emocional, conseguido principalmente através de melodias de piano e um crescendo que tem o seu quê de pós-metal.

A tracklist é bem pensada, mas é pena que o disco não seja mais longo, pois os contrastes e as dinâmicas aqui presentes mereciam ser enfatizados em mais algumas músicas para ter maior impacto. Mesmo todas as quatro faixas que integram Data.viscera poderiam ser um pouco alongadas de forma a permitir as ideias respirar e desenvolvê-las um pouco mais.

Em busca de mais música dentro deste estilo, ouvi alguns dos lançamentos anteriores de Strawberry Hospital, mas ficaram todos muito aquém deste. Recomendo Data.viscera como um excelente ponto de partida para conhecer este projeto musical que ainda tem potencial para crescer, mas que já impressiona em alguns aspetos.

Rui Santos
Tio Rex – Life, Love, Loss & Death [Cidade Fantasma]

Foi no passado mês de outubro que Miguel Reis, mais conhecido por Tio Rex, lançou o seu terceiro longa duração. Life, Love, Loss & Death é o projeto mais ambicioso do cantautor, levou cerca de cinco anos a ser concluído e teve início conceptual ainda antes do lançamento do EP 5 Tragedies em 2018.

Sonoramente este é o disco mais “cheio” de Tio Rex, contou com a colaboração de outros doze músicos, na sua maior parte também sadinos, e todos os instrumentos e sons que o compõem têm um papel e contribuem para a sua coesão. A ambiciosa instrumentalização ajuda a cimentar este disco (sobretudo a primeira parte) como o mais folk da discografia do artista.

O disco incide sobre os momentos inerentes à vida humana que lhe dão nome e, logo no momento da introdução, Tio Rex convida-nos a vivê-los e lembrá-los pelos seus olhos, ao longo de 11 faixas canta, sobretudo, sobre a conexão connosco e com os outros, a vida, o amor, a perda e a morte. Esta exposição dos vários momentos é apresentada quase como uma história cuja sequência segue a ordem do título. Há uma clara distinção entre os temas até à penúltima canção, “A Deathbed Love Letter”, a canção que fala sobre a morte, onde é feita uma ligação direta entre todos os outros momentos.

“Still Can’t Write a Love Song” é o meu tema preferido, começa com o autor a revelar falta de auto-confiança na sua capacidade de escrever uma canção de amor, continua com “but I guess I can give it a try” e culmina numa brilhante declaração de amor em spoken word, trazendo-me à memória a canção “(I’ll Love You) ‘Till The End of The World” de Nick Cave.

O tema “February 22nd 2001”, data da morte de John Fahey, uma das grandes inspirações de Tio Rex, marca uma passagem instrumental para a abordagem dos últimos dois temas, muda o sentimento do disco e este torna-se mais “pesado”, sempre mantendo um sentimento de coesão e continuidade. Uma agradável surpresa do disco é a colaboração com Conrad Harvey, o seu registo vocal (ainda) mais grave que o de Tio Rex, numa secção spoken word, encaixa perfeitamente e deixa a desejar mais colaborações entre estes dois artistas

Pessoalmente, e ainda que ache que no caso deste disco não o favoreceria, sinto falta da música de Miguel Reis a cantar em português, como no EP 5 Monstros e no longa duração Ensaio sobre a Harmonia, disco que me captou a atenção para o artista, me tornou fã e me deu vontade de seguir o seu trabalho há mais de 6 anos.

Em suma, Life, Love, Loss & Death é uma viagem por estes temas, uma viagem pela vida e será melhor apreciado ouvido do início ao fim pela sequência que o artista definiu. As várias músicas que o compõem também funcionam bem em separado, porém só toda a narrativa, a mensagem completa com introdução e despedida, é que farão jus a este belíssimo disco e conquista do músico sadino.

Francisco Lobo de Ávila

Wilderun – Epigone [Century Media Records]

A banda de folk metal progressivo oriunda de Boston Wilderun está de volta com o seu quarto álbum, Epigone. A banda está – talvez de forma redutora – geralmente relacionada com o mesmo grupo de coletivos de estudiosos especializados na instituição sueca dos icónicos Opeth que têm surgido em recente memória (outros coletivos desse grupo sendo os Agalloch e os Aquillus). Todavia, e apesar das óbvias similaridades, a sonoridade dos Wilderun vai para além dessa associação, caracterizando-se mais por riffs melódicos e agressivos, mas também densos e amplos, que são acompanhados por arranjos ricos com instrumentos como violinos, guitarras acústicas e outros que tais, dando assim à banda um diferencial geralmente mais exuberante e, porque não, sofisticado. Apesar dessa ênfase particular no som, eles também não se coíbem de abordar os aspetos mais pesados do seu estilo, com riffs mais intensos e growls que deixariam o Mikael Akerfeldt a lacrimejar de orgulho e alguma saudade, talvez.

O alinhamento demonstra estar bem-equilibrado, com “Woolgatherer” a revelar uma intensidade sonora de cortar a respiração, o single “Passenger” a demonstrar melhor a costela mais agressiva e direta ao assunto da banda no geral, e há por fim “Distraction”, que está a cargo da reta final do álbum e se divide por quatro faixas que levam o ouvinte por uma jornada épica, fazendo um showcase das várias facetas da banda, que ficará certamente retido na memória. Epigone demonstra ser um mimo para aqueles fãs de música pesada/progressiva que procuram algo para começar bem o ano a satisfazer o palato com sonoridades desafiantes.

Ruben Leite

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