Vodafone Paredes de Coura: um sucesso imperfeito
Vodafone Paredes de Coura: um sucesso imperfeito
Vodafone Paredes de Coura: um sucesso imperfeito
Após um dia dedicado à música nacional e um com alguns dos maiores nomes do festival, o Vodafone Paredes de Coura brindou-nos, a 18 de agosto, com dois cabeças de cartaz improváveis, Turnstile e L’Impératrice. O punk com sensibilidade pop e toques de rock alternativo dos Turnstile pôs a plateia com os ânimos em alta. O quinteto americano, de regresso a Portugal sete anos após um concerto na República da Música, em Lisboa, apresentou o seu novo álbum, Glow On e levou ao recinto uma energia muito positiva, com uma excelente presença em palco, bons riffs, um portentoso solo de bateria, algumas mudanças de secção estranhamente repentinas e uma constante preocupação pelo público, tendo até oferecido garrafas de água no final da sua atuação. Mal conhecendo a banda, aguardei-os com baixas expetativas e dei por mim muito surpreendido, tendo saído do festival com algumas músicas na cabeça, notadamente “Underwater Boi”, a minha favorita.
Os franceses L’Impératrice, cuja sonoridade nu-disco suave e dançável por vezes fazia lembrar os conterrâneos Daft Punk, tocaram sem interrupções até ao final da penúltima música, quando pararam por momentos e receberam uma enorme ovação do público. Tocaram mais uma música e depois os Nu Genea, em formato banda, com uma sonoridade relativamente semelhante, levaram um ambiente festivo semelhante ao palco secundário.
No mesmo dia, os Parquet Courts desiludiram num concerto sem qualquer pujança, com guitarras sem força e poucas dinâmicas, entre músicas e dentro delas. A performance do baterista também não acrescentou qualquer energia que as músicas tinham potencial para ter. Foi uma atuação bastante decepcionante, não se aproximando do nível da performance no NOS Primavera Sound 2016. Em estreia em Portugal, os Molchat Doma, trio bielorrusso que teve um improvável hit de Tik Tok com “Sudno (Boris Ryzhy)”, a sétima faixa de Etazhi, álbum que anos antes tinha sido um sucesso de YouTube, fizeram-se acompanhar de uma drum machine para tocar músicas que alternavam entre sonoridades pós-punk e synth pop. As mais dançáveis, em ambos os estilos, foram as melhores do concerto.
The Comet is Coming entraram em palco em grande, com “Super Zodiac” e “Summon the Fire”. O synth bass tinha um som impecável e alguns dos riffs nele tocados seriam adequadíssimos para músicas de metal se fossem interpretados numa guitarra eléctrica. O sintetizador servia muitas vezes de base para as melodias de saxofone, mas o teclista também mostrou ter talento a solar quando havia oportunidade para tal. Enquanto o sintetizador soava bem, o saxofone parecia ter o microfone mal colocado ou equalizado. Os sons graves, alguns apenas consequências da respiração do saxofonista, pareciam mais amplificados que as melodias principais. A meio do concerto estrearam uma música do seu próximo álbum, Hyper-Dimensional Expansion Beam, que introduziram com um discurso pseudocientífico sobre vibrações e frequências sonoras que unem as pessoas. A música teve uma secção introdutória muito virada para um ambiente retro, com o synth a fazer lembrar Jean-Michel Jarre, e aproximou-se do resto da setlist quando o resto do trio começou a tocar.
Dia 19, os Boy Harsher subiram ao palco secundário com 10 minutos de atraso e não fizeram valer a pena a espera, mas Kelly Lee Owens esteve melhor, mesmo tocando num palco maior do que inicialmente planeado. A produtora e vocalista galesa tinha a sua atuação programada para o palco secundário, mas passou para o principal devido a outras alterações ao cartaz. Os BADBADNOTGOOD anteciparam o seu concerto de dia 19 para 17, ocupando a vaga deixada pelo cancelamento dos King Gizzard & the Lizard Wizard, enquanto Owens ocupou a vaga dos BBNG e foi substituída pelos Baleia Baleia Baleia, que também tocaram na vila. Em suma, os King Gizzard foram substituídos pela dupla portuguesa. Seria difícil encontrar artistas da mesma dimensão tão em cima da hora, mas esta antecipação inesperada do concerto dos BBNG, mais o cancelamento sem aviso ou explicação de Beabadoobee, meses antes, deixam um sabor amargo e a sensação de que a comunicação do festival ao público podia ser melhor.
Kelly Lee Owens abriu o concerto com “Arpeggi”, cover de Radiohead, e prosseguiu com outras músicas dos seus primeiros dois álbuns, omitindo da setlist o mais recente e experimental LP.8. Focou-se, portanto, no seu habitual estilo tech house com vocais pop, por vezes incorporados como uma camada melódica adicional, outras de forma mais irregular, como no caso dos estranhos gemidos que nunca encaixaram bem nas batidas. O som não estava muito bem equilibrado, com o baixo potente e vibrante a sobrepor-se em demasia ao resto e a voz a soar demasiado baixa, mas a música fez o público dançar e a artista safou-se bem tendo em conta as circunstâncias.
O concerto de Ty Segall teve partes mais bluesy¸ outras mais psicadélicas e outras mais progressivas, mas ficou a faltar a energia garage rock que caracteriza a maior parte dos seus discos. A actuação teve alguns bons momentos, marcados por linhas de baixo orelhudas ou solos com as duas guitarras em simultâneo (apesar da guitarra de Ty estar demasiado baixa, tal como os teclados), mas também passou por fases monótonas e esteve longe das explosões de intensidade que foram os outros seus concertos a que assisti.
Tinha na cabeça a ideia de que os The Blaze iam dar o pior concerto do festival e fazia questão de evitar a sua performance, mas acabei por assistir a grande parte dela e achei-a melhor do que esperava. Não seria difícil, tendo em conta que as minhas expetativas estavam abaixo de zero, mas o deep house suave, ainda que básico e genérico, da dupla francesa, proporcionou alguns minutos agradáveis que me fizeram lembrar uns Disclosure mais calmos. A configuração de ecrãs móveis em palco impressionou e quase justificou o horário tardio a fechar o palco principal, mas ainda não foi desta que percebi a obsessão do Paredes de Coura com este grupo, que também encabeçou um dia do cartaz em 2018.
O DJ set de Mall Grab levou a noite à sua conclusão, mas foi no concerto do ganês Ata Kak que mais se dançou. Era um dos nomes que mais ansiava ver ao vivo e correspondeu completamente às minhas expetativas, apesar de ter sido mais um concerto algo prejudicado pela mistura de som (graves demasiado altos, voz com dinâmicas demasiado acentuadas, tornando-se quase imperceptível em algumas músicas). “Dancing is free (…) and has no formula, do whatever you wanna do” afirmou o cantor, sempre animado e também ele a dançar em palco. “Daa Nyinaa”, a minha preferida, foi a conclusão perfeita para o concerto, mas “Obaa Sima” foi a música mais celebrada pelo público, que continuou a cantar o seu título após o seu fim. Num dos momentos mais memoráveis do concerto, durante alguns minutos, Ata Kak tentou falar com o público sem o interromper e pediu silêncio, mas os seus fãs continuaram a cantar “Obaa Sima” incessantemente e só após pararem a drum machine, que já mal se ouvia, é que finalmente pararam e o artista pôde ensinar um ritmo de palmas sobre o qual viria a fazer um rap.
No último dia, 19 de agosto, comecei por assistir ao concerto dos La Femme, que foi tanto foi aborrecido como bizarro. Entre maus vocais por parte de um vocalista e as posturas estranhas de vários membros da banda, que não pareciam muito confortáveis em palco ou a falar para a multidão, pouco na sua atuação me agradou. O concerto seguinte não podia ser mais diferente: Perfume Genius teve uma magnífica presença em palco e uma voz tão espetacular como nas gravações em estúdio. Infelizmente, não tocou mais do que uma música do seu novo álbum, o experimental Ugly Season¸ mas o art pop que define o resto da sua discografia foi contagiante e irresistível. Deixou o melhor para o fim, terminando com a icónica “Queen”, que soou espetacular apesar do mau timing do teclista nas melodias principais.
Enquanto guardava lugar para Yves Tumor nas primeiras filas do palco secundário, ouviam-se alguns hits do final dos anos 90 vindos do palco principal, onde começava o concerto de Princess Nokia. Entre eles estiveram “Sandstorm”, de Darude, e “Barbie Girl”, que viria a passar novamente no mesmo palco como conclusão da performance de Slowthai. O concerto de Yves Tumor foi o que mais sofreu pelos problemas de som. Quase não se ouvia a voz, era difícil distinguir os sintetizadores e a guitarra de Chris Greatti, o Van Halen do indie, soava tão baixo que nem nos solos mais excêntricos brilhava. A banda esteve muito bem, Yves Tumor e Greatti encantaram em palco e fora dele, quando se aproximaram do público, nas grades e a fazer crowdsurfing, e a setlist incluiu as melhores músicas de Heaven to a Tortured Mind e Safe in the Hands of Love, mas mesmo nas primeiras filas foi difícil apreciar a maior parte do concerto. Tinha potencial para ser o melhor do festival, mas só o baixo e a bateria se ouviam claramente e não houve nada que os artistas pudessem fazer para compensar totalmente a qualidade do som.
Os Pixies podem ter um novo álbum prestes a sair, mas poucas músicas recentes tocaram. O seu longo concerto passou pelas melhores canções de discos como Doolittle, Surfer Rosa e Come On Pilgrim, como “Wave of Mutilation” (em duas versões diferentes), “Crackity Jones”, “Debaser”, “Hey”, “Monkey Gone to Heaven” e “Caribou”, sem grandes interrupções. Nas sequências mais mexidas mantiveram a intensidade em alta, enquanto as mais calmas se tornaram algo aborrecidas. Curiosamente, estas coincidiram com os momentos de maior crowdsurfing na minha localização, pelo que me mantive entretido o concerto todo. A guitarra principal, tocada por Joey Santiago, esteve demasiado baixa o tempo todo, e a atuação foi perdendo algum fôlego a partir de meio da sua duração, mas os Pixies estiveram bem e pareceram conquistar a enorme plateia à sua frente. Realmente decepcionante foi a interpretação de “Where Is My Mind?”, que pareceu quase propositadamente sabotada por Black Francis, que a cantou de forma muito estranha e diferente à versão original. No fim do concerto houve confetti, bolas insufláveis e um vídeo a celebrar a 29ª edição do festival.
O fôlego que os Pixies foram perdendo encontrou-se na atuação hiperativa de Tommy Cash, que teve direito aos slideshows e vídeos mais loucos projetados em palco. “X-Ray” e “xXXi_wud_nvrstøp_ÜXXx (Remix)”, dos 100 gecs, foram duas das músicas que deixaram o público em êxtase num concerto absolutamente explosivo. O ator e DJ Nuno Lopes esteve encarregue de fechar o recinto (mas não o festival, que continuou com sets no rio) com o seu habitual DJ set. Não fiquei até ao fim, mas o que vi não me prendeu. Demasiados ritmos dançáveis foram interrompidos para dar lugar a novos build ups para drops que soavam quase iguais uns aos outros. A intensidade não se mantinha e não havia uma grande continuidade entre faixas. Mall Grab, na noite anterior, esteve melhor.
Esta edição do Paredes de Coura foi declarada como um grande sucesso pela organização e certamente satisfez grande parte dos milhares festivaleiros que lá estiveram, mas também foi algo desapontante, com as condições no campismo e a qualidade do som a não corresponderem ao nível que um festival tão celebrado deveria alcançar. No entanto, ficam as memórias de alguns bons concertos e a expetativa de uma melhor edição em 2023, com o festival a chegar à sua 30ª edição.
Fotografia: Hugo Lima