AG.R97 em entrevista: “Tal como na música, os nossos gostos convergem no cinema”

AG.R97 em entrevista: “Tal como na música, os nossos gostos convergem no cinema”

| Novembro 28, 2022 10:00 am
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AG.R97 em entrevista: “Tal como na música, os nossos gostos convergem no cinema”

| Novembro 28, 2022 10:00 am

Da “dicotomia de não pertencer mas não conseguir partir”, num estúdio situado entre a “caótica envolvência urbana” de Gaia e a “pacífica” vista panorâmica do Porto, nasceu um dos mais fascinantes documentos do Portugal Musical de 2022. AG.R97

Painwave, a estreia dos portuenses AG.R97 em longa-duração, foi concebido entre 2020 e 2021 por Luís Neto e Pedro Pimentel (Wordclock) – mentores do projeto – através “de um esforço colaborativo constante”, apresentando nove “peças eletroacústicas” que combinam sound design com avançados arranjos eletrónicos e “uma natureza pop sempre presente”. A turva, editora audiovisual dedicada à promoção e publicação de arte experimental, é a sua casa, e um dos projetos a ter em conta nos próximos tempos.

A propósito do seu lançamento, nos metros iniciais de novembro, estivemos à conversa com a dupla sobre o papel dos videojogos e do cinema na concepção e idealização da elusiva identidade do grupo, bem como a importância dos títulos, das letras e dos formatos que compõem uma das mais impressionantes estreias deste ano.

Nas notas que acompanham o lançamento falam sobre a “dicotomia de não pertencer mas não conseguir partir” que pauta o mood do vosso disco. Dado que ambos chegaram a mudar-se para o estrangeiro – o Pedro para Londres, o Luís para Ghent – o que vos fez querer regressar novamente a Gaia?

Luís Neto: Os regressos aconteceram em épocas diferentes. O Pedro voltou de Londres em 2017 quando o estágio dele acabou, e foi por essa altura que abrimos o estúdio. Eu voltei a Portugal em 2020, no início da pandemia, numa de juntar o útil ao “desagradável”. Não me sentia propriamente entusiasmado com o meu futuro lá (embora fosse mais fácil sobreviver como artista) e tinha um projeto em pausa que queria levar para a frente – a turva.

Pedro Pimentel: Eu simplesmente queria voltar para o que tinha cá construído. Estar em Londres não era por si só uma motivação nem objetivo real. Acabei por dar mais valor à ideia de voltar quando o meu estágio acabou e percebi que não tinha muito a ganhar num sítio onde a única motivação era estar numa capital estrangeira. Voltei e montei um estúdio com o Luís em Gaia e comecei a trabalhar a partir daí durante uns tempos.

Há algo na vossa preocupação com a melodia e uso de auto-tune que remete para as produções da Drain Gang. Este tipo de inclinação mais emo interessa-vos?

LN: Sempre tive um fascínio com auto-tune, e melodia é das partes que me foco mais quando faço música. Não conheço imensamente bem o trabalho dos Drain Gang e geralmente nem me interesso muito por essas inclinações emo no trap, mas gosto de algumas músicas, sim. O Pedro mostrou-me grande parte delas, na verdade.

PP: Aprecio bastante alguns dos artistas do coletivo. Não sei até que ponto terá sido alguma influência nas escolhas melódicas com a voz até porque o Luís é quem mais compõe esse aspeto da nossa musica.

Outra coisa que achei curioso foi a escolha dos títulos em português quando as letras são inteiramente cantadas em inglês. O que motivou esta decisão?

LN: Acho que títulos de músicas tanto podem ser essenciais como incrivelmente inúteis. Geralmente não gosto da junção de duas línguas numa música — acho um bocado “cheesy”. No caso do nosso álbum, as melodias e letras são quase todas improvisadas e no meu processo a melodia vem quase sempre primeiro e as letras ao arrasto, e quase nunca em português. Escrever em inglês e em português são dois “monstros” completamente diferentes para mim. Resumindo, os títulos ajudam- nos a transmitir todo este conceito surrealista e a pôr-nos no “headspace” certo, enquanto que as letras são algo mais corporificado em resposta ao conteúdo musical.

A última questão leva-me inevitavelmente à próxima pergunta: o que vos leva a escrever em inglês? Ponderam fazê-lo em português no futuro ou é uma opção que descartam por completo?

LN: Não ponderamos nada e não descartamos nada, também! O futuro está aberto a qualquer coisa. É o que nos excita tanto com este projeto.

PP: Português ou esperanto ou seja o que for. Qualquer coisa que nos faça sentido no futuro iremos abordar. Não temos nada em especifico planeado nesse sentido, apenas a mente aberta a qualquer possibilidade que nos traga interesse

Na entrevista conduzida por Daryl Worthington para o The Quietus falam na importância dos videojogos e na forma como o Age Of Empires II e outros jogos acabaram por servir o vosso principal elo de ligação. Da mesma maneira, o cinema parece desempenhar um papel igualmente importante na vossa identidade. Como foi jogar com estas dimensões na concepção do álbum e dos vídeos que o acompanham?

LN: Tal como na música, os nossos gostos convergem no cinema. Quando escrevi os argumentos e realizei os vídeos havia sempre referências por trás como Andrei Tarkovsky, Luís Buñuel, David Lynch, etc. O cinema é uma arte tão poderosa e completa, que pareceu-nos óbvia como influência para o projeto. Eu sabia que muitos dos conceitos que queríamos explorar poderiam passar ao lado de muita gente, só por serem tão alienígenas e pessoais, por isso pareceu-me óbvio que aliar a imagem à palavra, ao som e à música iria promover uma transmissão mais bem sucedida ao público, tal como enriquecer todo o projeto.

PP: A parte dos videojogos é talvez de uma natureza um bocado mais abstrata. Simplesmente a presença dessas referencias de bandas sonoras e tempo passado com atmosferas muito específicas numa atividade tão escapista. As imagens e ideias e sons entraram de uma maneira mais intuitiva no tipo de ideia que tentamos transmitir. A própria ideia de escapar o ambiente em que estamos através destes meios acaba por ser parte dos visuais que passamos de certa forma. É em parte absurdo e surreal.

Nessa mesma entrevista falam nas dificuldades de gerir uma editora de forma independente e nos custos que isso acarreta. Ora, a turva, que o Luís fundou com o Alexandre Alagôa, tem uma relação particular com o formato físico, preservando a tradição da música enquanto objeto colecionável através de um design contemporâneo. Sendo a vossa música manifestamente digital, de que modo é que o CD pode contribuir para a visão – e a mensagem – que estão a tentar passar?

LN: É uma pergunta difícil. Eu tanto adoro o formato físico aliado à música, e sinto que pode elevá-la a outro patamar, tal como abomino o fetichismo ao “objeto artístico” e ao “belo”. Especialmente com vinil. Sinto que, por vezes, há mais interesse em ver objetos e fotos bonitas do que ouvir a música que, para mim, será sempre o mais importante. Sinto algum desapego desta visão esteta da coisa. Por outro lado, não consigo negar que todas as partes são cruciais a um projeto e que o método holístico será sempre o mais interessante a seguir.

Quando atuaram no Semibreve, a propósito da residência da turva no gnration, apresentaram-se em formato trio com a adição de um baixista. Agora, com um novo álbum cá fora, já pensaram como é que o vão transportar para o palco?

LN: Sim, tocámos com o Nuno Craveiro no Semibreve (metade dos Névoa, e um dos nossos músicos preferidos). Por razões profissionais ele teve de mudar de país, mas já arranjámos um membro novo incrivelmente competente, que ainda não faz sentido revelar. Vamos manter a formação de “power trio” e o resto será desvendado na altura certa.

Esta é para os heads: como é que o Painwave chegou às mãos do James Plotkin, membro de projetos tão seminais como os Scorn ou Khanate que se encarregou da masterização do disco?

LN: Enviámos um email! Após ouvirmos o resultado da masterização do álbum “Towards Belief” dos Névoa e do “A Greater Bliss” do Pedro (Wordclock), fez-nos todo o sentido colaborar com o James Plotkin.

Para finalizar: como é que têm visto a evolução do panorama da música electrónica em Portugal — e do circuito da música ao vivo no Porto em particular?

LN: Está tudo a expandir e evoluir. Há muito mais oferta e também alguma procura, embora continue a ser uma cena relativamente obscura, especialmente a experimental. Ainda assim, os conceitos de música eletrónica e música experimental são cada vez tão mais amplos e “guarda-chuva” que se referem a tudo e a nada. Em Portugal, temos artistas de classe mundial e festivais de referência, que lentamente estão a ser descobertos pelo resto do mundo. Relativamente ao Porto, cada vez se distingue mais como uma força alternativa e possivelmente subversiva, em relação à capital, embora ache que esse separatismo comum entre as duas seja um bocado infantil e contra- producente. Há muita coisa boa a acontecer ao nível nacional, em todo o lado.

Fotografia: Elisa Azevedo

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