Wolf Manhattan
Wolf Manhattan

| Novembro 6, 2022 2:57 pm

Wolf Manhattan | edição de autor | setembro de 2022

Wolf Manhattan é o novo projeto de João Vieira de X-Wife e White Haus, personificada na figura de um lobo com uma história singular para contar, que surge durante a pandemia. O álbum homónimo, lançado a 22 de setembro, é fruto do trabalho de João Vieira, contando também com a colaboração do seu amigo André Tentúgal, encarregue da guitarra elétrica, do órgão, do coro e do processo de produção. A personagem de Wolf Manhattan acabou por ser incluída mais tarde para o campo da literatura, onde a edição do livro de ilustração será lançada com o selo da Stolen Books. A capa, que chama a atenção de qualquer um, foi feita de forma digital e em formato gatefold, imaginada para servir o propósito de jogo de tabuleiro, além de trazer consigo o vinil. Mostra-nos uma espécie de lobo subnutrido, figura central do espetáculo, no meio do palco do que se julga ser uma espécie de teatro, onde todos os espectadores ora são animais ou figuras não-humanas, tão ou mais bizarras que o nosso protagonista (o que não deixa de ser curioso se pensarmos na falta de contacto/interação humana que tivemos durante o início da pandemia). Se o mundo é um palco e os homens e mulheres que nele habitam meros atores, como disse Shakespeare, se o teatro é a imagem literária por excelência para a dimensão social humana e o seu significado, como pensou Erving Goffman, a decisão de João Vieira em criar esta imagética parece muito eficiente.

A encenação de Wolf Manhattan tem a duração de meia-hora e é feita em 13 atos. A sonoridade indie e folk tem resquícios de X-Wife mas o registo lírico é bastante mais pessoal e introspetivo, como tanta boa música que foi feita durante a pandemia. As temáticas são variadas e os sentimentos oscilam, segundo uma veia confessionista: tanto canta sobre querer voltar para uma mulher em “Back to Her”, como sobre nunca mais querer voltar a ver alguém, como ouvimos na canção estilo The Strokes, “Never Want to See You Again”. A tristeza, a nostalgia, a dúvida e a paranoia são o grande tema em várias canções – tudo vale em palco – e a produção lo-fi – lembra Daniel Johnston ou Moldy Peaches (duo de Adam Green e Kimya Dawson) – faz brilhar a simplicidade do registo. Em “Surveillance Cameras” – o teclado parece levar-nos para dentro de um RPG, estilo Linha Verde de Co$tanza – “Dead Funny” e “Goodbye” (a última música do homónimo de Moldy Peaches também se chama “Goodbye Song”) ouvimos ou o som do telefone ou alguém a falar para ele. Isto parece uma pista para aquilo que passou a ser uma das poucas formas de ouvir a voz de quem nos era mais querido, inserida na sua música de forma direta, mas impactante na mesma.Os momentos altos do disco são “Sometimes” e “Tornado”. A primeira tem tudo para ser uma excelente música indie lo-fi: é simples, orelhuda, catártica e traz consigo lembretes preciosos quando canta, “sometimes it’s good to be alone, without looking at your phone / sometimes it’s good to be in bed” ou “sometimes it’s good to have no plans” e ainda “it’s ok to be yourself” – seja isso que bicho for. Em “Tornado”, o lobo mostra os caninos – o tom é mais frustrante, a guitarra mais clássica do indie rock chega para afastar algo/alguém que, como um tornado, volta para aterrorizar os sonhos do músico português. Lembra Stereolab e é nela que se escuta um dos seus melhores uivos: “you know life’s full of possibilities / and the decisions you make and the ones you regret / they all make you learn how to be”.

Wolf Manhattan sobe ao palco do Auditório CCOP, no Porto, a 3 de fevereiro, e visita a Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, a 10 de fevereiro, para abraçar o lobo triste que há em si.

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