Indignu em entrevista: “Sempre fomos os embaixadores da nossa própria música”
Indignu em entrevista: “Sempre fomos os embaixadores da nossa própria música”
Indignu em entrevista: “Sempre fomos os embaixadores da nossa própria música”
Adeus é o novo álbum dos Indignu, quarteto barcelense criado em 2004, álbum que já mereceu a nossa atenção por meio de uma crítica que descreve cada faixa com algum detalhe poético.
Lançado a 4 de novembro, sob a alçada da A Thousand Arms e da dunk!records, e tendo sido interpretado em antestreia no Amplifest, Adeus trata-se de um álbum que, apesar de continuar a veia post-rock que tanto identifica a banda, tenta superar-se, tanto a níveis composicionais como sonoros. Destaca-se também por ser o primeiro álbum do grupo após a pandemia e pela masterização de Birgir Jón Birgisson, que já trabalhou com nomes como Alcest, Björk, Sigur Rós e Spiritualized.
No passado dia 31 de outubro, estivemos à conversa com dois dos membros de Indignu: Afonso Dorido e Graça Carvalho. Falámos acerca de todo o contexto que ronda este novo álbum, tal como a experiência da antestreia do Amplifest e uma retrospetiva aos momentos mais primordiais da banda.
Como é que vocês descreveriam, assim de rajada, o vosso novo álbum Adeus?
Graça (G) – Acho que cada um dos envolvidos na produção deste disco tem maneiras diferentes de o narrar e de o descrever. Por exemplo, se eu estivesse sozinha neste mundo, dir-te-ia que o Adeus é uma espécie de brincadeira adulta e assumida. E foi a primeira vez que brincámos desta maneira. Há um antes e depois do Adeus naquilo que é o percurso da banda e da sua sonoridade. Além disso, ele versa muito: é um poema a esse antes e depois.
Afonso (A) – Sim, eu acho que este disco é especial: todo ele. Este álbum diz “xau”, mas não é um fim trágico: é um fim que era preciso para se abrir uma porta. Era preciso fazer esta brincadeira e criar coisas. Às vezes, sem querer, está-se a montar um puzzle e consegue-se fazer uma coisa que não se esperava, não é? No entanto, quando se fazem músicas de 14 ou 15 minutos, temos de as retocar imensas vezes e polir bastante bem as esquinas.
Enfim, acho que este disco foi tudo um pouco mais: ficámos mais satisfeitos, tanto a nível de som como de composição. Sinto que, apesar de todas as fases por quais esta banda já passou, somos um só: Indignu nunca esteve tão coeso na direção que pretende. E pronto, foi dizer adeus a tudo o que já fizemos.
Quando nos juntámos numa garagem de uma aldeia ao pé de Barcelos em 2004, nunca esperávamos chegar até aqui, mas ficámos com a necessidade de fazer uma espécie de mini metamorfose. Embora esteja satisfeito com todos os discos, o “Adeus” foi aquele que me pôs mais à prova enquanto pessoa e músico. Agora, tocando no que a Graça disse: isto é um micropoema. Quem estiver atento aos títulos das músicas perceberá o que queremos dizer, de certa forma.
Porquê chamar o álbum de Adeus?
G – O som e as atmosferas das músicas que fazemos sempre foram nostálgicas, contemplativas e reflexivas, mas neste caso, a escolha do nome não é arbitrária. O Afonso já deu umas pistas na resposta anterior: aconteceram várias coisas que nos empurraram para uma despedida e que nos puxaram para novos amores, novas vidas e novos caminhos. O adeus vai desde efetivas despedidas a pessoas com quem nos cruzámos como também a estilos de vida. Enfim, houve vários fatores e há algumas datas que foram bastante simbólicas. Além disso, não podemos deixar de falar da pandemia, que nos obrigou a olhar para tão perto (e tão devagar) para dentro de nós próprios: fomos confrontados com o que somos e com o que nós queremos. Claro, houve dúvida, medo e algum desespero, e não é mentira que chegou a ser pensado qual seria o futuro das novas vidas e da banda. Entretanto, lá se foram encaixando as peças do puzzle e fizemos a música prevalecer. A música prevalece sempre. É uma terapia que tem servido em todas as nossas vidas. No fundo, no Adeus honramos o compromisso que temos com a música. É um adeus e um olá ao mesmo tempo. Sim, eu sei que isto parece muito cliché de se dizer, mas é literalmente isso.
E como foi voltar ao estúdio em contexto de pandemia?
A – Nós nunca tínhamos escolhido um estúdio tão grande para gravar [Arda Recorders, no Porto]. Habitualmente, Indignu tem gravado os seus discos sobretudo em Viana do Castelo, com o Paulo Miranda (e, neste último álbum, com o Ruca Lacerda, que se tornou amigo da banda e uma pessoa em quem confiamos completamente). E já aí – no facto de irmos gravar num estúdio maior – houve uma experimentação de outras coisas, e isso é uma coisa que, enquanto músico, nunca irei esquecer. Gravámos durante a pandemia, mas mesmo que fosse noutra altura, teríamos arriscado na mesma num estúdio que desse uma capacidade plena à nossa música. Isto é, que não fosse pelas condições técnicas de um estúdio que a nossa música não pudesse ser partilhada e expressada na sua plenitude. Além disso, o ambiente do estúdio era bastante agradável, desde pessoal a ir ter contigo a perguntar se queres um café como ver alguns ali músicos dos anos 70 e 80 que admiramos muito, com os seus cafezinhos e bolachinhas. Já gravei alguns discos com Indignu, mas este foi diferente.
G – Sim, foi diferente. E respondendo de forma muito direta à tua pergunta: gravar ainda durante o mindset da pandemia foi, no fundo, um all in: uma aposta no futuro e um sinal de esperança. Foi também um sinal que percebemos o que se passou, quem somos, quem queremos ser e, pronto, tomámos essa decisão de meter as fichas todas em jogo.
Este é o vosso primeiro álbum sob a alçada da A Thousand Arms. Como está a ser a experiência de se juntarem a esse barco com outras tantas bandas internacionais?
G – Está a ser incrível. Mas atenção, não estamos só com A Thousand Arms, mas também com a dunk!records, que é – para nós – uma referência muito marcante a nível europeu. O Adeus é uma edição dupla: uma europeia [pela dunk!records] e outra norte-americana [pela A Thousand Arms].
Mas respondendo à pergunta: para nós está a ser uma espécie de sonho. Nós fazemos música há muito tempo. Aliás, sempre fomos os embaixadores da nossa própria música e sempre segurámos as nossas próprias rédeas, o que é duro, mas ultra compensador. Mas a certa altura percebemos que há ali uma família musical que acredita no tipo de música que fazemos, elevando-a e profissionalizando-a. Foi fantástico porque encontrámos ali um reforço da nossa competência, do nosso trabalho e da posição que ocupamos no mercado musical. Além disso, é um cunho de qualidade e de esperança.
A – Eu chorei quando soube que nos juntámos à A Thousand Arms. Eu toco nesta banda desde 2004, e nunca esperei que chegássemos a este ponto. Ainda hoje vi uma review a dizer que esta banda vai dar que falar nos próximos tempos e que somos os próximos Low. E isso é o mais aliciante: é estar a tocar com muita experiência em cima do palco mas poder ser a primeira vez que alguém nos vê, e essa primeira vez é sempre única.
Nós temos uma vontade muito grande de fazer as coisas, e é impossível não continuarmos a sonhar quando temos o envolvimento de uma editora do qual compramos discos e da qual admiramos o festival a que está envolvido. Nunca pensámos ser possível chegar a este ponto, mas de repente foi. No entanto, é óbvio que dá muito trabalho: se nunca tivéssemos investido tudo de nós neste disco e nas suas possibilidades, nada disto seria possível. E é muito difícil juntar quatro pessoas – cada um com a sua vida – e fazer as coisas colar. Mesmo ao fim de dezoito anos, às vezes penso: “será que é possível?”, e depois descobre-se que é. No fundo, acaba por ser um jogo viciante, porque vamos aumentando a fasquia, fazendo com que tenhamos a mesma energia que há dezoito anos.
G – E tocar sob a alçada destas duas editoras é sem dúvida algo que nos coloca num mapa novo: estamos ali de braço dado com outros grupos que nos fascinam, tanto enquanto artistas como pela própria forma que eles olham para a música. Entrámos num circuito diferente, e isso foi uma lufada de ar fresco. Estamos aqui há muito tempo, mas o amor nunca desvaneceu. No entanto, por vezes é necessário um jantar romântico para enfatizar esse amor, e o Adeus foi o nosso jantar romântico com a música. Outra coisa que marcou Adeus é o facto de ter sido masterizado por Birgir Jón Birgisson, que já trabalhou com nomes como Alcest, Björk, Sigur Rós, Spiritualized, entre outros. Como é que começou esta parceria? E trazê-lo para a tripulação ajudou de alguma forma na direção tomada neste álbum?
G – Não diria que influenciou tanto a direção tomada, mas sim a confiança na mesma. Quando ele ouviu o disco, ele já tinha sido gravado, por isso ele não teve influência criativa ou produtiva nele. No entanto, quando ele ouviu o Adeus, deu-nos um feedback muito detalhado sobre o que achava sobre cada uma das músicas, e isso foi uma experiência mesmo muito bonita.
Acerca de como começou a parceria, fomos nós que o contactámos, e para além de ele ser extraordinariamente eficiente e profissional, revelou também um lado humano de extrema simplicidade e empatia. Por isso, foi muito agradável trabalhar com ele, em todos os aspetos. Além disso, ele está por detrás de álbuns monstros, então não te vou dizer que não houve um nervoso miudinho quando pensámos: “olha, e se contactássemos o Birgir Jón Birgisson, que masterizou os Sigur Rós?”. Discutiu-se se fazia sentido ou não contactá-lo, mas depois percebemos que o pior que podia acontecer era ficarmos igual a ontem e não ter um disco masterizado pelo Birgir Jón Birgisson. No entanto, ele aceitou, o que foi uma surpresa agradável. E houve uma expressão muito grande com a masterização: o disco cresceu. Foi exatamente o que queríamos, portanto os resultados foram ótimos. O antes e depois tem uma diferença evidente.
A – Exatamente, ele deu o verniz final. O disco já estava gravado, mas é sempre importante dar um último verniz. A masterização dá força a um disco, compactando o seu som. E ele fez isso mesmo. O que mais nos tocou foi o facto de ele se imbuir na música tão profissionalmente. Além disso, ficámos a saber que ele gosta bastante de Portugal e que às vezes ele vem cá. Enfim, houve ali uma energia muito fixe por parte de todas as pessoas que trabalharam neste disco, mas trabalhar com alguém que esteve por detrás de discos como o ( ) dos Sigur Rós, de 2002, que tanto me inspirou ao longo dos tempos (e provavelmente também à Graça) foi algo bastante gratificante.
No Umbra, vocês trouxeram convidados de fora, como a Ana de Deus e o Manel Cruz. Porquê não o fazer outra vez no Adeus?
G – Precisávamos de provar a nós mesmos que sabíamos o lugar que ocupamos sozinhos, mas também não é algo muito cerebral. Nesse disco, o Umbra, nem sequer planeámos a participação da Ana de Deus ou do Manel Cruz à primeira, apesar de ter sido um privilégio absoluto. Há sempre muita orgânica em tudo o que fazemos, e a cadência é muito natural. O que nos fez chegar à Ana e ao Manel foram energias e simbioses naturais e espontâneas, e foi exatamente isso que aconteceu no Adeus, também. No entanto, estávamos num processo de grande transição identitária. Isto é, todos passamos por momentos de reflexão, e é maravilhoso olhar para trás e pensar: “Indignu existe”. Indignu é um coletivo e temos muito orgulho e muito amor por todos os contactos que tivemos ao longo dos tempos. No entanto, com a pandemia, as simbioses espontâneas levaram-nos a uma profunda viagem interior, por isso decidimos viajar só nós os quatro, para estarmos uns com os outros e percebermos de que somos feitos, afinal.
Esta pergunta é para o Afonso: tu vês alguma ligação entre a música que fazes enquanto Homem em Catarse e a que fazes com os Indignu? Especialmente tendo em conta que o último álbum de Indignu tem algum piano, e o teu último álbum enquanto Homem em Catarse, Sete Fontes, foi o primeiro completamente conduzido pelo piano.
A – No fundo, é a mesma pessoa. Eu sou um quarto dos Indignu mas também sou o Homem em Catarse. Eu faço uma tentativa muito grande em separar as duas coisas: em Indignu, toco com uma guitarra e um amplificador diferentes àquelas que toco com Homem em Catarse. Agora, há muita gente que me pergunta: “quando é que sabes que estás a escrever para Indignu ou para Homem em Catarse?”. Bem, em Indignu as coisas são muito mais angaripadas. Isto porque Indignu não sou só eu: existe uma partilha maior e as coisas acabam por ser filtradas.
Há de facto piano no Adeus, tal como havia nos outros álbuns de Indignu, mas a diferença é que desta vez sou eu que estou a tocar o piano, e não outra pessoa. Ora, o facto de ter arriscado no piano com o Sete Fontes deu-me, obviamente, capacidades para direcionar esse risco também para Indignu, por isso é óbvio que as coisas vão estar sempre indiretamente relacionadas. No entanto, há que ter muito cuidado em pegar nas ideias. É preciso virá-las ao contrário – no bom sentido – para sair de lá algo novo, mais solene e menos minimal. O piano do Adeus é muito abstrato e emocional, como o de Sete Fontes, mas diria que o de Adeus não é nada minimal: tem mais tensão e velocidade.
Enfim, é natural que as coisas se misturem, mas creio que são duas coisas diferentes, especialmente ao vivo.
Como é voltar a pisar palcos após a pandemia?
A – A intensidade dos concertos de Indignu é, por norma, muito grande. No entanto, depois de uma pandemia onde fizemos muito poucos concertos (a maioria em formato digital), voltar a palco, ainda por cima para uma antestreia do disco no Amplifest, foi despejar tudo o que andámos a encher ao longo deste tempo todo. Nós temos uma grande necessidade de tocar ao vivo e a pandemia apenas agonizou essa vontade. Há sempre pessoas que são mais viciadas no palco que outras, mas acho que está toda a gente com uma fome muito grande.
Já que estão a falar do vosso concerto de antestreia no Amplifest: como acham que foi o feedback por parte do público à apresentação do Adeus?
G – Foi incrível. Fantástico. Uma espécie de consagração de uma grande espera. Além disso, estávamos a tocar para as pessoas certas. Isto no sentido de sermos uma banda que encaixa num festival como o Amplifest, em que o público é muito intencional e consciente: eles prestam atenção àquilo que vais tocar. Já para não falar que a malta que vai ao Amplifest é pessoal que consome um estilo de música que naturalmente vai de encontro àquilo que fazemos. Por isso, o feedback foi muito agradável. De destacar que estávamos a tocar para uma casa quase cheia, na sala 1 (palco principal), com um público de 60% estrangeiros, 40% portugueses. Dito isto, acabamos por ter a certeza que estamos a levar a nossa música para fora e para longe. Para além disso, o Amplifest tem um grande eco, o que fez aumentar a pré-venda de discos, as interações nas redes sociais, as vendas do merchandising, etc… E isso vem reiterar a nossa posição, até porque estávamos no Amplifest mais com um cunho de banda mais local, a representar Portugal (embora estivessem lá outras presenças extraordinárias que causaram um impacto muito giro). Resumindo: o feedback que recebemos foi de estar à altura, e estar à altura no Amplifest é estar à altura de nomes extremamente grandes. Foi muito comovente e muito bonito.
A – Nós também somos fãs do festival Amplifest. Para mim, é o festival mais interessante em Portugal, sem qualquer dúvida. Não há outro idêntico: o Amplifest tem o seu cunho próprio. E como gostamos muito do festival, no dia seguinte estávamos lá praticamente todos.
Enfim, o feedback foi ótimo. Receber mensagens de um californiano a dizer que adorou o concerto e ter pelo menos umas cinco pessoas a abordarem-me pessoalmente para dizerem que gostaram foi muito gratificante. Até porque acho que é preciso gostar mesmo muito para quebrar a timidez e dizer: “olha, adorei isto”. Por isso, o concerto foi muito bom, na minha ótica. Nunca nos esqueceremos do dia 14 de outubro de 2022.
E como espectadores, o que viram no Amplifest?
G – Nós vimos quase tudo [risos]. Houve ali momentos muito bonitos e marcantes. Não posso falar de Godspeed You! Black Emperor, porque eles são sempre extraordinários para mim [risos]. Tenho um fraquinho por essa banda. O Peter Broderick também teve um momento de rara beleza naquele festival; também fiquei super presa ao chão durante o concerto de Dälek, algo que não antecipava.
Houve vários concertos que me prenderam, e houve outros que, pronto, não tanto, mas houve ali momentos muito intensos. Tenho pena de não ter visto alguns nomes, mas pelo que vi, o André Mendes [organizador do Amplifest] é um tipo com grande coragem. O Amplifest é um festival meio louco e ele arrisca bastante. A sua assertividade e tenacidade em fazer o tipo de programação que faz fascinou-me muito: eu consegui passar ali por espectros muito diferentes e para mim foi incrível.
A – Eu não tive tantos dias no festival e perdi coisas que gostava muito de ver, como Lingua Ignota. No entanto, também gostei muito de Peter Broderick, sobretudo um tema em específico que me fez pensar: “epá, valeu mesmo a pena acordar hoje”, e é essa a energia que tem que existir quando vais ver uma performance ao vivo. Também gostei muito de Godspeed, de Scúru Fitchadu (que embora não seja a minha praia, gostei muito: acho que foi muito bem metido ali no meio do Amplifest). Estava ansioso para ver Fennesz: gostei, mas talvez não deveria ter sido naquela sala, o que é perfeitamente normal.
G – Ou naquele dia.
A – Exato.
G – E olha, outro concerto que me marcou bastante foi Amenra em acústico. Assim que começaram a tocar cover acústica de Mark Lanegan, eu pensei: “okay, isto vai correr bem”. Para mim, foi um bálsamo. Há micromomentos, e toda a atmosfera do backstage foi fogo, fantástico. Fomos tratados com um grande sentido de humanidade, de inclusão e de partilha. Não há diferenciação entre os músicos e isso é muito bonito. Foi muito bem organizado e recomenda-se.
Vamos voltar um pouco atrás no tempo. Em 2008, os Indignu lançaram o seu primeiro EP, Manifesto Anormal do Fundamento. Como é que vêm este EP agora, em retrospetiva, e o que foi preciso para irmos daí até ao Adeus?
G – [Risos]. Ainda bem que fazes perguntas assim, porque é importante falar nessas coisas. É uma questão de passagem temporal.
A – São catorze anos de diferença, e a única pessoa da lineup atual que estava na banda nessa altura era eu. Enfim, a vida era intensa. Eu permito-me falar menos desse disco e mais de outros porque acho que a banda começou a perceber a sua existência apenas em 2010, com Fetus in Fetu, tendo apenas colado mesmo em 2013 com o Odisseia (e com a Graça já na banda). No Odisseia já havia violinos e cordas, o que foi bastante ambicioso.
Ora, tudo o que foi feito até chegarmos ao ponto de nos encontrarmos foram procuras; aquele típico crescimento de banda em que juntas dinheiro para ter gasolina e ir tocar fora de Barcelos, e era uma inocência bonita que valeu a pena ser vivida. Guardo memórias de tocar ao vivo com as mínimas condições: já o fiz acontecer porque havia vontade de o fazer, e orgulho-me muito dessa característica do do-it-yourself que existia nessa altura. No entanto, os inícios de Indignu – apesar de terem um grande significado temporal – não tem grande significância para a banda. Foi uma cancela do projeto: alcança-se e fecha-se. Mas olha: fizeste-me lembrar de coisas incríveis: ir tocar sem condições, ir todos em cima uns dos outros no carro…
G – Eu acho que é importante passar por essas fases todas. Aliás, é como a vida! Eu não estive lá, não participei nesse disco, mas ele já nos trouxe momentos extraordinários para a banda. Ouvir, reviver, relembrar, pensar… Tem que se respeitar o nosso passado, aprender com ele e evoluir. Tudo o que faz parte da nossa história merece respeito e carinho.
A – Mas pronto, é bastante tempo… catorze anos. Mas esse disco traz saudosismos quanto ao do-it-yourself da altura.
G – 2008 foi há muito tempo…
A – Lembro-me que existia uma música que falava sobre a Tragédia de Entre-os-Rios. E lembro-me também de uma música que se chamava “Apartamentos de Luxo e Rebuçados”, sobre o Processo Casa Pia.
G – [risos]
Apesar de já não pertencerem à Honeysound, de Barcelos, ainda estão de alguma forma ligados à editora e ao cenário musical barcelense?
G – À editora não tanto, mas sim às pessoas da editora, sempre. Temos contactos diretos e experiências muito bonitas com eles, já para não falar de histórias que ficaram imortalizadas. Quanto a Barcelos, nenhum de nós vive lá, mas somos de lá: não há maneira de negar ou esquecer as nossas origens. O Afonso está mais por Braga, o Pedro está mais pelo Porto, eu estou em Viana, mas já andei pelo mundo, etc… É um pouco difícil quando tens tanta gente a circular nestas encruzilhadas, mas sabemos que Indignu é barcelense, tem origens em Barcelos e fazemos questão de deixar essa nota nos pequenos detalhes, como no nosso Bandcamp, que continua a dizer que somos uma banda de Barcelos. Vamos com todo o prazer do mundo ao Teatro Gil Vicente, temos amigos para a vida em Barcelos e consumimos cultura barcelense, por isso estaremos sempre ligados ao cenário musical de lá, claro.
E para terminar: que artistas mais têm ouvido nestes últimos tempos?
G – No meu caso, ando a rodar imenso os discos do Jason Molina, especialmente o disco homónimo dos Magnolia Electric Co. Estou nessa fase. No entanto, nós ouvimos todos música muito diferente. Eu sou pessoa de saborear devagar; uma consumidora monogâmica em série de vinis. Então, estou ali algum tempo a transitar de um álbum para o outro. E olha, neste momento estou a mudar de casa. O meu leitor de vinis nem está aqui comigo, então logo se vê o que vou ouvir na outra casa [risos]. Mas gosto muito da experiência de pôr o disco a tocar.
A – Ah, sim. Isso é uma coisa que tem o seu encanto.
G – Olha, posso-te também dizer que o último disco de jazz que ouvi foi do Ryo Kawasaki, um tipo dos anos 70, enquanto arrumava a casa. E fiquei surpreendida em gostar tanto da música dele, até porque eu nem sequer sou uma consumidora tão assumida do jazz.
A – No meu caso, tenho ouvido bastante Arooj Aftab e Black Country, New Road. Acho que Black Country, New Road é uma das bandas mais fixes dos últimos tempos. O Isaac Wood canta de caraças mas depois saiu da banda, o que é uma pena. Quem me sugeriu o novo álbum deles foi o baterista dos Indignu. Eu fui ouvir e tive a oportunidade de comprar esse vinil. E pronto, é o que mais tem rodado.
Há outra banda britânica que agora não tenho ouvido tanto, mas que é também é fixe: os Caroline. Estão também dentro do género dos Black Country, New Road, mas são um bocadinho mais melancólicos. Estou-me a lembrar de Fontaines D.C., também. Enfim, tenho ouvido bastante rock britânico. Mas isto somos nós os dois. Nós temos uma playlist no Spotify com os gostos dos membros todos. Chama-se “Indignu Days” e tem uma série de coisas nas quais a banda se inspira: MONO, Godspeed, The Evpatoria Report, Pink Floyd, Daft Punk, Russian Circles, Tortoise, Bruno Pernadas, Sunn O))), Nirvana, etc… E a partir dessa playlist dá para perceber que ouvimos coisas muito distintas.