Yves Tumor
Praise a Lord Who Chews but Which Does Not Consume (Or Simply, Hot Between Worlds)

| Maio 16, 2023 7:25 pm

Yves Tumor nunca escondeu o seu encanto pela soul. Mesmo quando fabricava ambientes ermos, explorando as possibilidades do som com um ímpeto vincadamente experimental, “The Feeling When You Walk Away”, um dos temas retirados a Serpent Music (2017), já demonstrava esse desejo de subverter os cânones do género, acrescentando-lhe novas e inventivas coordenadas.

Praise a Lord Who Chews but Which Does Not Consume (Or Simply, Hot Between Worlds), o mais recente capítulo de uma renascença iniciada em 2018, aquando do lançamento de Safe In The Hands Of Love, é o culminar de uma jornada transformadora em direção a uma pop livre e luminosa, cada vez mais acessível e evidente (e são cada vez mais os convertidos ao sincretismo de Sean Bowie).

Tumor, que já se apresentou sob múltiplos pseudónimos, explorando em todos eles diferentes caminhos e possibilidades (utopias retrofuturistas como Teams, entropias digitais enquanto Shanti, abstracionismos concretos como Bekelé Berhanu), transporta essa qualidade porosa e multidisciplinar para o seu último disco, mais um documento vital de exploração e subversão pop que alia imediatismo e sensibilidade com um desejo premente de experimentação, acrescentando mais uma importante página nos manuais do rock feito no século XXI.

À semelhança do que aconteceu com o antecessor Heaven To a Tortured Mind (2020), o alinhamento volta a fazer-se essencialmente de Tumor, na produção, letras e direção de arte, Chris Greatti na guitarra e composição e algumas vozes adicionais (Ecco2k em “Echolalia”, Kidä em “Lovely Sewer”); mas nas entrelinhas da avultada lista de créditos, onde se destaca ainda o nome de John Carroll Kirby nos arranjos, encontram-se duas interessantes novidades: Noah Goldstein, produtor de My Beautiful Dark Twisted Fantasy, e Alan Moulder, reputado engenheiro de som responsável pelo som liminar de múltiplas obras clássicas do shoegaze. É neste cruzamento – na intersecção entre o magnetismo pop do primeiro e as profusas paredes de som do outro – que se encontram os dois principais eixos de Praise a Lord.

A tudo isto junta-se a natureza transgressora de Tumor, que traz à mesa um vasto arsenal de referências, do psicadelismo soul de Prince (as comparações a Purple Rain, em particular no single “Heaven Surrounds Us Like a Hood”, tornam-se cada vez mais inevitáveis) ao experimentalismo irrequieto dos Throbbing Gristle, mas também o revivalismo pós-punk do início do século, em particular a música dos britânicos Bloc Party e do seu vocalista. A influência dos autores de Silent Alarm já se havia sentido, aliás, num outro lançamento deste ano, This Is Why, dos norte-americanos Paramore, que tal como Tumor transportam o som tipicamente britânico do grupo liderado por Kele Okereke para um prisma contemporâneo.

Numa linha não muito distante, “God Is a Circle”, meticulosamente posicionada na abertura do disco, relembra os primórdios virulentos de Karen O nos seus Yeah Yeah Yeahs. “Purified by the Fire”, o momento mais abstrato de Praise a Lord, surge em forma de subterfúgio pós-rock, a sua natureza implosiva a recordar a torrente pós-industrial de “Nothing Is”, um dos temas que compõem o último álbum dos irlandeses My Bloody Valentine e que, tal como a faixa supracitada, surge de modo anti-climático na reta final do disco.

Há uma certa sensação de finalidade em “Ebony Eye”, um tesouro de pop barroca, livre e sumptuosa, que encerra o disco com uma secção imperial de cordas e outras enlevações de recorte orquestral, algo grandioso que poderá significar o culminar de algo maior ainda por vir. 

Fim de um capítulo? Não podemos assegurar com certeza. A única garantia é que o futuro é de Yves Tumor. Não saber o que esperar dele é uma bênção.

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