Melhores do Ano 2021: Internacionais

Melhores do Ano 2021: Internacionais

| Janeiro 9, 2022 9:00 pm

Melhores do Ano 2021: Internacionais

| Janeiro 9, 2022 9:00 pm

Seria mais fácil reduzir os melhores discos de 2020 a temas do que acontece no agora findo ano de 2021. A predominância de discos orientados para a pista de dança como os triunfos de Jessie Ware e Róisín Murphy pareciam apontar para a sede de noite e suor provocadas por mais de um ano de isolamento, enquanto que a intimidade confessional dos discos de Fiona Apple, Microphones e Adrianne Lenker nos transportavam para um estado mental mais introspectivo, exacerbado pela solidão colectiva do actual state of affairs.

Em 2021, a tarefa torna-se mais complicada. Mas tomemos por nossas as palavras de Simon Reynolds, um dos mais importantes críticos musicais das últimas décadas e conhecido por, entre outras coisas, cunhar o termo “pós-rock” em 1993, enquanto escrevia para a Melody Maker. Numa entrevista para o Público no passado mês de Novembro, registada na primeira edição do Festival Internacional de Cultura Pop, dizia: “penso que diz algo sobre os nossos dias que o disco rock mais excitante dos últimos anos seja sobre a incapacidade de sentir excitação”, referindo-se ao pós-punk em sprechgesang dos Dry Cleaning.

Este sentimento de entropia generalizada talvez não seja transversal a todos os discos da nossa lista, mas a dualidade e conflito permanentes entre desespero e expectativa, isolamento e comunhão, silêncio e ruído parecem apontar para 2021 como uma espécie de “ano-zero” ou um “não-ano”: como se nos encontrássemos num limbo social e cultural, do qual o mais importante é procurar um equilíbrio que nos permita chegar ao outro lado da margem vivos e, esperamos, com coisas melhores e mais excitantes no fim da linha.

Sem mais demora, segue-se a nossa lista de álbuns do ano, no qual verificamos a vitalidade da nova vaga pós-punk britânica (da qual, curiosamente, só faltam os Dry Cleaning) e de um jazz de cariz espiritual que tem dado que falar. Figuram também no top o regresso de nomes de culto, aos quais se poderia juntar o assombroso HEY WHAT dos veteranos Low, e songwriters de voz poderosa, que também poderia ser a de Circuit des Yeux, que voltou a surpreender com uma brilhante estreia pela Matador. Deixamos ainda menções honrosas para a originalidade pop de L’Rain e Lost Girls, para a electrónica urbano-depressiva dos Space Afrika e para a escrita íntima de Indigo De Souza e SPELLLING. Venha 2022.

10. Grouper – Shade

Rendilhados de guitarra, pequenos motivos de piano, ruídos abstratos, uma voz, silêncio. Não podia ser de outra forma. Gravado ao longo dos últimos 15 anos, Shade, o último álbum de Liz Harris, isto é, Grouper, tem tanto de regresso às origens como de premonitório, antecipando novas possibilidades. Obra feita de polos opostos, situa-se entre a pop despida e o ruído lamacento, mas também o que há entre os dois: “Followed the ocean”, tema que inaugura este disco, é uma das mais luminosas canções da artista norte-americana, ainda que mergulhada num mar de reverberação. Em março, regressa a Portugal para um espetáculo único no Teatro Viriato, em Viseu, com Coby Sey na primeira parte. Filipe Costa

9. Squid – Bright Green Field

A embriaguez nociva e pegajosa dos gritos carregados de razão destes rapazes de Brighton excederam por completo as expectativas. Os Squid são definitivamente um dos projetos mais refrescantes e inovadores dos últimos tempos nos campos do rock experimental e do post-punk.

A realidade e a ficção fundem-se às fantasias e apocalipses distópicos do livro Ice, de Anna Kavan, com o recôndito e antigo filme A Long Day’s Journey Into Night, baseado numa adaptação de Eugene O’Neill, no qual retrata temas como a adição, conflitos e a disfunção familiar.

Fascinada com os invulgares narradores dessas obras, decidiram criar o seu próprio universo onde refletem sobre alguns dos elementos que estão subjacentes às turbulências da sociedade contemporânea pós-Brexit. A força invisível e catártica deste álbum de estreia assume na plenitude um krautrock eufórico e as guitarras desleixadas, traduzidas com primor uma brutidão rouca e agressiva das palavras expelidas num tom displicente e humorístico, à beira de confessar uma crónica de uma morte anunciada para este moribundo mundo. A sombria odisseia de Bright Green Field é para ser consumida em doses ilimitadas. Eduardo Coelho

8. Dean Blunt – Black Metal 2

Sete anos depois do adorado Black Metal, o enigmático compositor londrino Dean Blunt assaltou-nos com a sua sequela, naquele que será certamente o disco mais directo e acessível da sua carreira. Tal como no primeiro volume, Black Metal 2 é uma colecção de pequenos temas, alguns tão breves e fugazes que se assemelham mais a “sketches” ou projectos de canções. Nenhum momento se prolonga por demasiado tempo, o que é já uma marca de autor: o seu songwriting é desconcertante e o tom sombrio e indolente das canções contrasta com a velocidade em que vamos de encontro a uma nova melodia, uma nova ideia, um novo momento luminoso. Esta é a mente hiperactiva de Blunt, a mesma que magicou alguns dos seus míticos concertos/amálgama de sons à base de sucessões e sobreposições de samples, noise, spoken-word e momentos de clareza pop.

BM2 revela-nos um Blunt particularmente preocupado com suprimir o ruído. Não apenas num sentido literal, sendo que a ausência de momentos noisy é notória e contribui para a maior acessibilidade deste seu disco, mas também num sentido figurado, já que os principais elementos do seu songwriting se encontram presentes mas reduzidos ao seu mais essencial e primário: voz e guitarra envolvidas numa camada etérea de cordas e numa percussão arrastada, formando a dream pop minimal de temas como “VIGIL” ou “SKETAMINE”.

Conhecido pelo seu songwriting hermético e impenetrável, surpreende-nos escutar um Blunt tão reconfortante e destapando uma pequena brecha de vulnerabilidade em “the rot”, faixa final do disco e talvez o seu momento mais desarmante: “I told her relax / You might as well relax / ‘Cause the fear is going down, down, down”. Segue-se a voz de Joanna Robertson, na última das suas várias aparições ao longo do disco, quase que a lançar-nos um feitiço: resta-nos voltar ao início desta pequena obra-prima e descer pela densa camada de smog londrino que são as canções de Dean Blunt. Luís Sobrado

7. Sweet Trip – A Tiny House, In Secret Speeches, Polar Equals

Juntando uma sensibilidade pop a distorções digitais, batidas electrónicas e guitarras cobertas de efeitos, a música dos Sweet Trip tem vindo a conquistar cada vez mais ouvintes em certos círculos da internet, provando-se muito popular em comunidades como a do Rate Your Music. Esta fama tardia da banda formada nos anos 90 levou às reedições em vinil de dois dos seus álbuns, incluindo o aclamado Velocity : Design : Comfort¸ alvo de grande parte das atenções que a dupla tem vindo a receber. O culminar do seu regresso fez-se com A Tiny House, In Secret Speeches, Polar Equals, o primeiro álbum em doze anos.

Após o longo período de inatividade, não seria descabido que este novo disco ficasse aquém das expetativas dos fãs mais exigentes, mas os Sweet Trip presentearam-nos com mais de uma hora de excelente música, explorando de novas formas todas as facetas dos seus lançamentos anteriores. Não atravessam caminhos que não tenham antes explorado, mas isso apenas prova o quão inovadores eram há duas décadas atrás.

A Tiny House, In Secret Speeches, Polar Equals está repleto de melodias e timbres deliciosos, seja no shoegaze psicadélico de “Tiny Houses”, o indie eletrónico de “Chapters”, a IDM de “Randlift” ou o dream pop de “Walkers Beware! We Drive Into the Sun”. As canções são geralmente quentes e suaves, mas igualmente densas e repletas de pequenos detalhes, transições e combinações inesperadas que vão emergindo em repetidas audições.  É a altura perfeita para descobrir ou redescobrir os Sweet Trip, o início de uma nova era da sua carreira. Rui Santos

6. Nala Sinephro – Space 1.8

Os últimos anos têm sido marcados por um reaparecimento gradual e silencioso de um jazz que deve muito ao ambient e de um ambient que deve muito ao jazz. Ambos são estilos facilmente injustiçados por equívocos e preconceitos: um tanto pode ser Mingus e Monk como jazz vocal pronto-a-consumir de Smooth FM, e o outro tanto podem ser as obras-primas de Eno como música lounge que devia ter ficado em 1994. Felizmente, tivemos discos de sobra este ano para não só atenuar e confundir as fronteiras entre música jazz e ambient como também para nos fazer esquecer que todos esses rótulos não importam: o que interessa, no final, é fazê-lo bem. E foi isso que fizeram Floating Points, a Orquestra Sinfónica de Londres e o lendário Pharoah Sanders no aclamado Promises, ou os Wild Up com as obras de Julius Eastman, ou nomes como Sam Gendel, Bendik Giske e Eli Keszler. Um dos mais arrebatadores exemplos dessa fusão é o de Nala Sinephro.

Space 1.8, a estreia da compositora caribenha em longa-duração, é já uma obra absolutamente essencial no cânone do ambient jazz: e é obra de Nala Sinephro. Gravado pela artista aos 22 anos de idade, é quase assustador perceber que um álbum de tamanha delicadeza e subtileza, cheio de nuances misteriosas e com uma perfeita relação simbiótica entre a harpa, os synths modulares e convidados de excelência é… apenas o início. “Apenas” um disco de estreia. Luís Sobrado

5. Little Simz – Sometimes I Might Be Introvert 

A batida marcada e rimas do hip-hop bebem do groove e cadência do soul e jazz há décadas — artistas como Mary J. Blige, Erikah Badu, A Tribe Called Quest ou D’Angelo são nomes da casa e impossíveis de ignorar. No entanto, do outro do Atlântico, esta combinação nunca pegou; é por isso que o mais recente álbum da rapper britânica-nigeriana de Islington foi uma surpresa tão refrescante e memorável – num panorama de hip-hop predominantemente masculino e orientada para o drill e grime, Sometimes I Might Be Introvert é impactante na sua produção exímia e uma autêntica de magnífica consistência e à semelhança do seu álbum de 2019, Grey Area, existe como um disco sem uma única música dispensável. No entanto, Sometimes I Might Be Introvert – um retroacrónimo de “Simbi”, alcunha de Little Simz, cujo nome primeiro nome é Simbiatu – incorpora uma narrativa, uma história salpicada por interlúdios narrados por Emma Corrin sobre as divergências entre a vida privada e pública, sobre a vontade de ser ainda melhor, de se sentir ser validada. São ecos familiares, exprimidos de uma maneira brilhante – desde as muito frontais Point and Kill com Obongjayar e Fear No Man, até à introspeção orquestral de Introvert e a celebração feminina de Woman. Sometimes I Might Be Introvert é um testemunho poderoso de uma rapper que não olha a meios para impressionar – e até agora não falhou uma única vez. José Almeida

4. black midi – Cavalcade

Com Cavalcade, os britânicos black midi cimentaram ainda mais tanto o seu nome como o de todo o movimento post-brexit punk a partir da mesma vibe frenético-barulhenta verificada no antecessor Schlagenheim, mas desta vez apimentado por fortes influências do jazz e do rock. Com esta receita, os londrinos demonstraram-se mais maturos que nunca no aue se trata ao processo de composição, capazes de criar um caos controlado – arquetipamente exemplificado na faixa “John L”. No entanto, também há calma entre as tempestades com faixas mais atmosféricas, como é o caso de “Marlene Ditrich”. De qualquer das formas, a rítmica tem sempre uma imprevisibilidade de assinatura, deixando o ouvinte preso na ponta do seu assento, à espera do que virá de seguida. No fundo, podemos resumir todo este álbum como uma experiência crípticamente surreal à qual é muito difícil ficar indiferente. João Pedro Antunes

3. Lingua Ignota – SINNER GET READY

Sinner Get Ready é o quarto álbum da artista estadunidense Lingua Ignota, lançado em agosto sob a alçada da editora Sargent House. Este disco está repleto de um sentimento de desesperança cru e cruel, como que a anunciar a vinda de um castigo divino de ordem apocalíptica. Ora, para criar tal atmosfera, Lingua Ignota misturou o darkwave neoclássico já abordado nos seus trabalhos anteriores com o estilo de vida rural da Pensilvânia, a partir de sons emprestados pela música tradicional apalache e pela lírica centralizada no catolicismo. Ora, estas líricas religiosas abriram portas à criação uma imagem de dor e luto graficamente profundo, tornando-se numa experiência emocionalmente fortíssima, algo muito raramente visto num álbum que aborde o culto religioso de uma forma tão central quanto esta obra. Devido a estas razões e outras, Sinner Get Ready é um dos claros destaques internacionais para 2021. João Pedro Antunes

2. Black Country, New Road – For the First Time

Filhos da mesma new weird britain que pariu Black Midi, Squid ou HMLTD, e que tem no Windmills e na editora Speedy Wunderground os seus maiores berços, os Black Country, New Road mantêm os pés bem assentes na tradição britânica do post-punk, mas os seus olhos apontam para outras latitudes: para as caves bolorentas de Nova Iorque (DNA, The Contortions), para as paisagens pacatas do Iowa (Arthur Russell), para as garagens dos bairros de Kentucky (Slint, June of 44). Mas há mais. O klezmer, estilo de música secular judaica, está presente nos temas que abrem e encerram For The First Time, o tortuoso álbum de estreia dos ingleses, servindo de cartão de visita para um grupo que, mais que ninguém, sabe a arte de baralhar e voltar a dar. Filipe Costa

1. Floating Points / Pharoah Sanders / The London Symphony Orchestra – Promises

Nasce destas três vozes distintas um só corpo coeso e inviolável, um só álbum – Promises, editado a 26 de Março de 2021. A composição assume um registo mais característico do minimalismo contemporâneo, prestando a sua dose saudável de homenagem ao reducionismo e ao seu quase-silêncio. Contudo, apesar destes momentos de quietude quase-absoluta, temos momentos redentores de crescendos assoberbantes protagonizados pela LSO – particularmente no sexto movimento – que nos tiram do nosso transe sem que o mesmo seja perturbado. Em alguns momentos aplica-se a norma de Brian Eno para a música ambient – tão interessante como ignorável – enquanto que noutros são, para lá das cordas da LSO, a electrónica incerta de Floating Points ou a suavidade acutilante do saxofone de Pharoah Sanders que nos mantêm sempre interessados nesta autêntica lição do que é bonito numa colaboração. José Almeida

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