Melhores do Ano 2021: Revelações

Melhores do Ano 2021: Revelações

| Janeiro 7, 2022 6:30 pm

Melhores do Ano 2021: Revelações

| Janeiro 7, 2022 6:30 pm

2021 foi um ano de mudanças. Na Threshold, implementamos finalmente o tão desejado novo site, algo que ambicionávamos há vários anos e que exigiu muito tempo, suor e dedicação (e uma quantia choruda quanto baste, também); expandimos os nossos horizontes geográficos e fomos até ao festival OMBRA, em Barcelona, cobrir alguma da mais excitante música do circuito underground internacional; estivemos à conversa com alguns dos artistas que mais nos inspiram, como os franceses Daisy Mortem, a belga SKY H1 ou os norte-americanos Sweet Trip, mas também valores emergentes da cena musical portuguesa como Herlander, Night Princess ou YAKUZA; acolhemos novas caras ao nosso “plantel” e fizemos os possíveis para combater as fintas do algoritmo, cada vez mais imperdoável para os que, como nós, dependem das redes sociais para levar o nosso conteúdo ao maior número possível de leitores.

Os tempos mudaram, definitivamente, mas há coisas que nunca mudam — e o talento é uma delas. A música portuguesa está viva e recomenda-se, por isso voltamos a reunir as novas caras do panorama no habitual apanhado de revelações, que tem vindo a ser publicado no nosso site desde 2014. Para a edição deste ano, reunimos 15 artistas/bandas/projetos que editaram a sua primeira coleção de canções — seja um EP, um álbum ou uma mixtape — em 2021, do “jazz-não-jazz” dos Atalaia Airlines ao chinfrim esotérico dos Sounds of Kamic.

Atalaia Airlines

Atalaia Airlines é um trio de nu jazz e synthwave que promete voar longe no panorama alternativo português. No passado mês de novembro, lançaram o álbum homónimo, onde podemos verificar uma estética bastante retro, indo beber aos anos 80 de uma forma um quanto óbvia, porém eficaz. Filhos do panorama do nu jazz lisboeta que tem dado que falar pelo país com bandas como Mazarin ou Yakuza (ambas relacionadas com Atalaia Airlines de alguma forma e mencionadas nas revelações nacionais da Threshold de 2018 e 2020, respetivamente), este trio sabe como relacionar a estética de um GTA Vice City bastante solarengo com temas modernos (destacando as criptomoedas, sempre em forma de chacota oculta), criando então um ambiente um quanto retromodernista. João Pedro Antunes

B4ICRY2

B4ICRY2 já tinha lançado singles volta e meia antes de 2021, mas foi apenas este ano que o artista lisboeta realmente brilhou enquanto cloud-trapstar lusitano com o lançamento do seu álbum de estreia, B4HER, sob a alça da Rotten \ Fresh. Nesse disco, B4ICRY2 usa o consenso de emo-rap com cloud trap já incorporado por nomes como Bones ou Yung Lean, criando uma sonoridade hipnoticamente orelhuda, sem esquecer a contemporaneidade do seu género que o deixa então brilhar, afogado numa receita que tem pouco para dar errado. João Pedro Antunes

Best Friend

Reduzido em duração mas carregado em qualidade é ambitious small talk, trabalho de estreia do produtor Benjamim Furtado, ou seja, best friend, publicado sob a forma de um improvável Mini Disco. Mas se o ostracizado formato introduzido pela Sony em 1991 se revelou um falhanço, o EP do músico de Lisboa revela-se um sucesso. Disponível também em formato digital, cortesia da sempre atenta Rotten \ Fresh, que sela este lançamento, ambitious small talk vive da tensão entre o físico e o virtual, elaborando pequenos esboços de uma eletrónica leve e abstrata feita a partir de momentos sónicos improvisados tanto online como no espaço físico. Filipe Costa

Chão Maior 

O sexteto Chão Maior estreia-se nos discos com uma obra profundamente ligada ao jazz mais vanguardista e experimental, resultado de uma residência artística realizada em 2019 no Convento de São Francisco, em Montemor-o-Novo. Um ensemble com vasta e larga experiência liderado pelo compositor e trompetista Yaw Tembe, pelo baterista Ricardo Martins, o guitarrista Norberto Lobo, o trompetista João Almeida, o trombonista Yuri Antunes e a harmoniosa voz de Leonor Arnaut. Os “círculos” neste caso não se fecham em si mesmos e seguem uma contagem crescente com nuances repetitivas, dando a ideia de que cada instrumento é explorado numa busca livre e descomprometida. Os temas apelidados de “passos” invertem a normal ordem das coisas, surgindo com uma progressiva sintonia melódica entre os sopros que rapidamente entram num ambiente perdido entre o hostil e o silêncio durante a faixa “Passos Um” onde emerge uma neblina de aparente confusão que se reencontra novamente com o desapegado e flutuante canto de Leonor Arnaut.

Drawing Circles é sobre a contemplação do tempo, do pintar sem esborratar e um genuíno exercício de alastrar horizontes por um coletivo deveras ambicioso que criaram uma das mais agradáveis surpresas do ano. Eduardo Coelho

Cíntia

Após a subida a vários palcos e festivais, o trio Cíntia estreia-se nos lançamentos de estúdio com Sítio, álbum gravado com o apoio do programa Cena Jovem da revista Jazz.pt. O jazz é a base de toda a música da banda, mas esta reflete as suas influências diversas ao juntar ingredientes do rock e da música eletrónica às suas composições. Isto acontece nos riffs ou no solo de “Oi Lebre”, a fazer lembrar King Crimson, ou na primeira metade de “Comboio das 5:30”, liderada pelo sintetizador. Passando por ambientes estranhos, samples inesperados, acordes suaves e riffs explosivos, este Sítio a que os Cíntia nos levam tem um pouco de tudo. É um disco versátil e divertido, dinâmico e surpreendente. Rui Santos

Dianna Excel 

Desde a primeira vez que se ouve a música de Dianna Excel que se torna difícil de encontrar uma categoria satisfatória – num mundo edificado pelas categorias gigantescas da deconstructed club e pop alternativa, Dianna Excel é o molde que dá forma às ambiciosas e viciantes combinações de género que seduzem o ouvinte. No seu álbum de estreia, XL, um “reflexo [do] que sente como mulher trans, navegando pelo início da sua jornada de transição hormonal”, a artista protagoniza um autêntica viagem emocional e introspectiva, com autênticos bangers de pop desconstruída como “Chuva Cai, Fantasyah” e “Corpo Transparente” ou enlaçando-se inesperadamente com temas de infância e reaproveitando-os como canções de libertação com “Giroflé Giroflá (non binary)”. 

Num período em que vemos a violência contra pessoas trans e não-binárias a aumentar e num país com a sua própria história de violência contra corpos trans, a presença de Dianna Excel na cena musical nacional é urgente e refrescante. José Almeida

Eu.Clides

Pode passar por surpresa, mas os talentos de Eu.Clides já fazem mossa há algum tempo: estudioso da guitarra clássica desde tenra idade, o músico cabo-verdiano andou em digressão com o grupo do Senegal Daara J Family e com a cabo-verdiana Mayra Andrade e, em março deste ano, interpretou o tema “VOLTE-FACE”, da autoria de Pedro da Linha, na última edição do Festival da Canção. Em maio, apresentou-nos a sua primeira coleção de canções, Reservado, onde reúne cinco temas de um novo e refrescante r&b, hermético na aura e complexo nos arranjos. “Morto-Vivo”, o seu primeiro avanço, é o testemunho maior de um artista capaz de conquistar o mundo, mas que prefere adoptar uma identidade furtiva, esquivando-se por entre as sombras do estrelato — livre, elusivo e altamente sedutor. Filipe Costa

Fura Olhos 

Inês Malheiro tornou-se em tempos de pandemia num nome incontornável da música portuguesa – no final de 2020, juntou-se às opressivas texturas sonoras de Gonçalo Penas e editou Canal-Conducto, um álbum comissionado pelo espaço cultural bracarense gnration. Já em 2021, a artista bracarense produz the endless chaos has and end, uma série de incursões electro-acústicas pela voz que aguçam o ouvido de qualquer adepto de experimentalismo musical. Em Fura Olhos, as abordagens inovadoras e contorcionistas de Inês Malheiro juntam-se a Miguel Pedro, membro fundador e baterista dos icónicos Mão Morta, em Fura Olhos, recriando um mundo musical completamente novo – equilibrados algures entre os mundos psicadélicos e irreais de Coil e a música electró-estóica de The XX, com laivos pesados da glitch pop centrada na voz a que artistas como Holly Herndon nos habituaram. José Almeida

GABBEROLAS

Diretamente das caves mais bolorentas de Lisboa surgem os GABBEROLAS, a dupla de Diogo Oliveira e João Rochinha (unitedstatesof). O título do seu primeiro lançamento, SUPERTAÇA, é uma alusão à Supertaça Europeia, colocando duas forças vitais da nova electrónica portuguesa – GABBEROLAS e o duo Hot Dancerzzz, de Bruno Aires (aka Aires) e Mafalda Melim – em confronto pelo titulo de campeões do “tugacore”, ou seja, a resposta portuguesa ao techno hardcore que, segundo a dupla, nasceu a uma segunda-feira no Desterro “por volta das duas da manhã”. Portugalidades hardcore de humor bem vincado que não devem ser subestimadas nesta partida alucinante. Filipe Costa

OCENPSIEA

Oh chefe, eu não pedi sumol, isto é água” é o ponto de partida destes jovens de tenra idade que prometem continuar a incendiar os palcos portugueses num futuro próximo. Os OCENPSIEA são um quarteto que dispensa apresentações, descritos por si próprios como “quatro putos fixes de Braga a fazer música fixe” e inspirados por uma panóplia de géneros musicais desde o jazz ao hip hop. Oceano-Mar é o terceiro álbum desta banda que teve a participação de nomes sonantes da cena nacional como é o caso de PZ e David Bruno. Até há muito pouco tempo o projeto era totalmente desconhecido para a maioria do público, crescendo exponencialmente com o lançamento deste último disco que une um tremendo sentido de humor com as fulgurantes e aceleradas improvisações. 

Um grupo que se enquadra naturalmente na linguagem do jazz com samples à mistura, sentindo-se a cada batida o clima de pura diversão da banda que poucos meses depois são surpreendidos por terem sido incluídos numa playlist dos BadBadNotGood que veio dar ainda mais visibilidade e um merecido reconhecimento a estes formidáveis rapazes. Eduardo Coelho

Phaser

Phaser. É este o pseudónimo de Miguel Loureiro, artista originário de Viseu e atualmente sediado na Covilhã. Ao longo de mais de dois anos, focou-se intensamente na criação de um trabalho que viu a luz do dia nos finais de setembro: Genesis. Trata-se de um video-álbum de música eletrónica ambiciosamente ousado, fortemente inspirado no blog-house e no techno de uma forma que vai implodindo passo a passo, começando por buscar muito ao art pop e acabando num híbrido de tech house com chiptune, reptitivo e por vezes bastante acelarado, mas avassalador e direto ao assunto. Com este projeto, Phaser tornou-se num nome a observar atentamente no panorama da música eletrónica portuguesa. João Pedro Antunes

Raquel Martins 

A simplicidade de Raquel Martins é um dom raro e transparece tanto na sua magnífica voz, bem como nas suas intimistas composições. Natural do Porto, mudou-se aos 17 anos para Londres para dar um novo rumo à sua formação ao estudar guitarra e produção musical. 

Surge entretanto o seu primeiro trabalho a solo The Way que aborda a questão da sua identidade, daquilo que é crescer sozinha num sítio diferente para correr atrás de um sonho. Integrada como guitarrista em diversos projetos durante este tempo, teve já a oportunidade de tocar ao vivo nas sessões especiais da estação de rádio Worldwide FM que acontecem na Brownswood Basement do respeitado radialista Gilles Peterson. Os raios solares irradiados pela música deste disco de estreia da Raquel Martins são uma benção de boas vibrações com texturas do melhor que há na soul contemporânea, e capaz de nos fazer abstrair por uns minutos de todos os problemas do mundo. Eduardo Coelho

Rita Vian 

Primeiro é a batida, primal e sem grandes artifícios, ao fundo umas vozes de sereias prontas a desviar-nos do nosso caminho, mas então surge uma voz cristalina que anuncia trazer consigo “uma mala cheia de brilhantes”. Esta é a voz de Rita Vian, cantora e compositora que assume um lugar no seio do movimento dos “Novos Fados”, onde artistas procuram contextualizar o fado banhando-o com influências mais contemporâneas, e que, no final de junho, lançou o seu primeiro EP, CAOS’A.

CAOS’A é uma mistura orgânica entre o fado que Rita conheceu em casa da sua avó com um conjunto de batidas que vão desde a eletrónica, o hip-hop ao R&B, servindo de pano de fundo para conhecermos melhor a jornada que a artista fez até nos encontrar e presentear com este diamante.

Ainda sem um disco de longa duração, CAOS’A é o cartão de apresentação da cantora, que está a ser apresentado em diversas salas pequenas um pouco por todo o Portugal (com exceção para o Tivoli), mas é apenas uma questão de tempo, porque não tarda, Portugal será de Vian. Hugo Geada

SCOLARI

SCOLARI é um trio cujos integrantes são nomes familiares para os mais atentos à música independente nacional. António Silva e Bruno Pereira editam o seu trabalho de música eletrónica ou ambiente como Sal Grosso e Aires, respetivamente, enquanto Luís Silva tem um longo percurso feito no mundo do jazz. O projeto que os une introduz-se ao público com MATA MATA, álbum editado pela Favela Discos.

Neste disco, a banda apresenta drones sombrios e frios sobre os quais uma trompete ressoa melancolicamente. A primeira metade é mais esotérica, construída por paisagens sonoras obscuras, ao passo que na segunda abre-se a palete sonora e torna-se mais aparente a base eletrónica das composições. Os sintetizadores introduzem novos timbres e, em “Jungle Puzzle”, levam-nos a uma conclusão especialmente áspera e intensa.

Juntando ambientes desolados, melodias improvisadas e densos reverbs, MATA MATA é uma experiência bem-sucedida, um encontro entre músicos que se complementam e nos conseguem transportar para paisagens e cenários envolventes, alguns mais abstratos, outros com um traço pós-apocalíptico. Rui Santos

Sounds of Kamic 

Vocais cobertos de reverb, ritmos dançáveis e uma captação lo-fi são as características que melhor definem o primeiro EP de Sounds of Kamic, Unless than Happy. Em três músicas psicadélicas e percussivas, o duo navega entre secções estruturadas e outras mais abertas ao improviso. A guitarra distorcida e a linha de baixo orelhuda de “First Vocal Impression” têm um impacto imediato, dando o mote para um disco curto, mas deslumbrante. Soam igualmente bem as suaves melodias eletrónicas de “Crocodile Tears”, as últimas do EP, que após o seu fim nos deixa apenas com uma vontade de ouvir mais músicas desta dupla indecifrável. Esperemos que este desejo seja cumprido em breve. Rui Santos

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