Melhores do ano 2022: Nacionais & Internacionais

Melhores do ano 2022: Nacionais & Internacionais

| Janeiro 12, 2023 4:56 pm

Melhores do ano 2022: Nacionais & Internacionais

| Janeiro 12, 2023 4:56 pm

Agora que parece quase afastado o fantasma da pandemia, pelo menos nos moldes distópicos que assombraram boa parte dos últimos três anos, 2022 revelou-se um ano generoso: vários regressos de nomes consagrados, alguns deles em topo de forma; colaborações e projectos há muito aguardados e que viram finalmente a luz do dia após o interregno pandémico; e, claro, novos nomes que fervilhavam no aguardo pela libertação do disco de estreia.

No panorama nacional destacam-se o rock abrasivo de nomes como Hetta ou Sereias, mas também a pop elegante dos recém-chegados Fumo Ninja e uma ambiciosa odisseia pop de Surma. A estes nomes junta-se o de várias outras revelações e confirmações, que contribuíram para que este fosse um ano particularmente prolífico e variado no que aos discos nacionais diz respeito — continuam a surgir álbuns dos mais diversos quadrantes sonoros, expandindo os horizontes da música nacional muito para lá da canção de autor e do rock tradicional e tornando-a cada vez mais sofisticada e aberta às tendências experimentais europeias.

Na lista internacional, reina o rock, particularmente o que surge da sua mais recente vaga mutante vinda das ilhas britânicas: os desconcertantes black midi e Black Country, New Road são dois nomes que se assumem cada vez mais como vozes decisivas para uma geração de ouvintes, e repetem a presença no Top após lugares de destaque em 2021, agora acompanhados de Gilla Band e Porridge Radio. Há ainda pop provocadora e incansavelmente original e alguns dos melhores songwriters dos nossos tempos, perfazendo uma lista que só pode ambicionar ser uma pequena luz e oferecer uma pequena justiça à imensidão esmagadora de óptimos discos lançados este ano.

Findas as contagens e tomadas as últimas decisões sobre quais os discos merecedores de especial atenção, seguem-se as listas da melhor música feita em Portugal e internacionalmente para a redação da Threshold Magazine.

 

Álbuns Nacionais

10. Bug Snapper – Neptune Recreation Center

Neptune Recreation Center é o primeiro álbum de Rui Santos sob o seu alias Bug Snapper. Trata-se de um trabalho bastante virado para o eletrónico progressivo, com algumas pitadas de IDM e de vaporwave que fazem lembrar nomes como Oneohtrix Point Never, Sam Prekop e James Ferraro.

Ao longo dos quarenta e cinco minutos divididos por dez faixas que constituem este álbum, dá para ver uma grande evolução por parte do artista desde o lançamento de Cyberplace Travel Log, editado em 2019 sob nome próprio. Bug Snapper está mais confiante de si mesmo, sendo capaz de atingir atmosferas mais abrangentes, com uma estética à la Gran Turismo da época da PlayStation 2. Neptune Recreation Center está repleto de sintetizadores expansivos, sempre recheado ora de harmonias elegantemente jazz-fusion noturno, ora de eurritmias pulsativamente dançantes, tornando o álbum uma experiência bastante imersiva que põe qualquer pessoa nascida na transição do milénio numa viagem nostálgica por grooves extremamente elegantes, de uma forma que poucos músicos portugueses dentro do género conseguem fazer.

Dito isto, não só se trata de um LP aconselhável a qualquer amante de eletrónica-synth, como também nos deixa com curiosidade daquilo que Bug Snapper nos trará num futuro de médio prazo. João Pedro Antunes

9. Inês Malheiro – Deusa Naúsea

Ruídos exteriores que parecem não ser bem interferência e uma voz vagarosa e hipnotizante, manipulada e reconfigurada pela maquinaria que a comanda. É este o mundo insólito habitado por Inês Malheiro em Deusa Náusea – um campo fértil de eletrónica alienígena mas encantatória que ocasionalmente recorda os ambientes de Grouper, num sopro psicadélico que tem tanto de alucinante como de aconchegante. E se inicialmente tudo nos soa estranho e desafiante, rapidamente essa estética glitch desconcertante começa a espalhar uma magia que prende e vicia, sugando-nos para a sua beleza como o canto esotérico de uma sereia. Um universo sonoro fragmentado e surrealista alimentado pelo encanto das suas idiossincrasias, demasiado belo para que não o revisitemos com frequência. Jorge Alves

8. Solar Corona – Pace

Ouvimos o ritmo vibrante de uma bateria pulsante para logo a seguir o baixo a transbordar de groove se juntar à festa, e feitas as introduções entram em cena guitarras cintilantes em luta por supremacia. Assim se dá a conhecer “Heavy Metal Salts”, a primeira malha da nova proposta dos Solar Corona, festa rock & roll em formato de jam session intergalática. Guitarras gritam de prazer enquanto sentem o pedal, alternando entre melodias atmosféricas em viagem infinita pelo cosmos e a celebração desenfreada de um psicadelismo ardente, space/stoner a rugir de vitalidade num pujante grito de libertação. Possante e irrequieto, estamos perante uma rockalhada debitada enquanto manifesto alucinante. É malha atrás de malha, preparem essas air guitars. Jorge Alves

7. Hetta – Headlights

Em Headlights, cartão de visita dos Hetta, o quarteto do Montijo apresenta seis faixas curtas e extremamente enérgicas, com vocais intensos, riffs frenéticos e ritmos explosivos. O EP é definido por uma sonoridade pós-hardcore complexa e intensa, com dinâmicas imprevisíveis e transições rápidas. Pode parecer muito caótico à partida, mas audições atentas vão revelando as melodias que dão forma a cada faixa. Músicas como “Sugar Glass” e “Mystery Meat” têm secções que dão espaço para respirar antes de voltarem a explodir com ainda maior intensidade em conclusões catárticas, enquanto “Angel Bait” e “Violent Pope” mantêm a energia sempre em alta, reforçando uma sonoridade agressiva que faz de Headlights um dos lançamentos nacionais mais impactantes de 2022. Rui Santos

6. Surma – Alla

Cinco anos após o seu álbum de estreia, Surma lançou em novembro o seu segundo LP, Alla, sob o selo da Omnichord Records. Trata-se de um trabalho bastante eclético, que vai beber a todos os cantos imagináveis da art pop, alternando constantemente os moodsboards com uma fluidez impressionante. Três exemplos que se destacam são a energia praticamente imbatível do single “Islet”, o escoamento naturalmente aquoso e telepático de “Tergiverso” e as sonoridades liminais e por vezes industriais de “Did I drop acid and this is my ego death?”. Além da musicalidade em si, destaa-se também a temática do álbum, com letras que abordam todo o conceito de identidade de uma forma um quanto autobiográfica, dissertando temas como o bullying e as inseguranças originadas por questões identitárias, para de seguida contar uma história de autossuperação. A multivalência mágica deste álbum é definitivamente o que lhe dá personalidade, sendo por isso um dos lançamentos a destacar dentro do universo musical português de 2022. João Pedro Antunes

5. Sereias – Sereias

Há 5 anos, ainda antes do lançamento de O País A Arder, a banda Sereias começava a gerar conversa pelas suas atuações ao vivo. O caos e anarquia reinavam no som explosivo da banda que tinha tanto de inquietante como de cativante, era possível ver e sentir a confusão do público enquanto este ouvia gritos sobre as “putas da TV”. Hoje, embora mantenham a mesma mística e atração é difícil encontrar um espectador desprevenido.

No seu segundo disco de originais os Sereias conseguem conter o caos, usá-lo a seu favor, jogar com ele e moldá-lo de forma perfeita aos poemas de António Pedro Ribeiro. Este trabalho será o guia perfeito para a banda no sentido em que apresenta um som polido e mais maduro, atrevo-me a dizer as melhores canções até à data, e prepara para experiência de ver a banda ao vivo (para mim nao é fácil separar estúdio e ao vivo pois o disco faz-me gostar mais da performance e a performance faz-me querer abraçar mais o disco).

Sereias joga com ideias de jazz fusion, krautrock e post-punk num resultado que à primeira audição poderá parecer desconexo ou deixado ao acaso, mas a atenta e repetida análise leva à conclusão que tudo está feito de maneira precisa e pensada ao pormenor, que qualquer mudança seria fatal e desestabilizaria o equilíbrio instável do caos contido. Francisco Lobo de Ávila

4. Coelho Radioactivo e Os Plutónios – Coelho Radioactivo e Os Plutónios

Após um hiato de oito anos do solitário Coelho Radioactivo, renasce das cinzas um dos acarinhados projetos de João Sarnadas, que decidiu regressar à sua terra natal em Aveiro para se reunir com os seus amigos Plutónios, Carlos Rosário nas teclas, Pedro Teixeira na bateria e Ricardo Barros no baixo. Nos primeiros acordes do álbum dá para sentir imediatamente uma penumbra de fumo a levantar-se sob o eco hipnotizante da voz, um olhar perdido no meio de um nevoeiro de outono que tarda a desvanecer. Rapidamente somos atordoados pelo esventrar das guitarras, o pó seco e cru do baixo é expelido entre as palavras distorcidas e por vezes impercetíveis de “Mão Luminosa”.

O elevador social está à vista de todos, muitas vezes associado à ideia de sucesso e mérito na vida, contudo na enérgica e psicadélica faixa “Fuckuldade” refere-se à mudança de planos, a essa escolha natural de saber desistir no momento certo de algo com que sempre sonhámos, mas que terá de ficar em pausa por uns tempos. Passada a tempestade sonora, entra em cena Luís Severo em “Falamos Do Escuro”, que continua a explorar a narrativa de um estado de espírito personificado pelo voo dos pássaros, uma viagem ao sabor do vento com o excecional contributo no coro de Catarina Branco.

A composição introspetiva deste Coelho é deixada um pouco mais à margem do que nos discos anteriores, explorando sobretudo temas transversais como o medo da mudança, os fracassos que originam as noites mal dormidas e também da urbana alienação social. Eduardo Coelho

3. moisés – Valsa Até ao Fim

Depois dos EPs sobre viver e 100 sonhos, moisés atreveu-se, em 2022, a lançar o seu primeiro longa duração, valsa até ao fim. Presenteou-nos com o seu hip-hop experimental, com alto foco no industrial e com um crescendo de emoções e de agressividade a nível de letras, voz e beats, permitindo uma forte linha de continuidade ao longo do trabalho.

Pela primeira vez na sua discografia apostou na colaboração com outros artistas (Phaser, gonsalocomc e Vert Gum) fazendo a ponte para a diversidade e experimentação no disco, apresenta caminhos que poderão ser explorados no futuro sem nunca se perder na linha contínua principal. É muito evidente a evolução a nível de vocais, tornaram-se capazes de apresentar mais emoções e tons, um sinal claro de maturidade do artista e um maior à vontade com a exploração deste recurso.

valsa até ao fim é a afirmação de um excelente produtor musical, é a exploração de vários caminhos e hipóteses quanto ao futuro da sua música e é o amadurecimento de um jovem artista num passo cuja direção é tão obviamente a correta. Francisco Lobo de Ávila

2. Maria Reis – Benefício da Dúvida

Passaram já doze anos desde O Juno-60 Nunca Teve Fita, o primeiro disco das Pega Monstro que é já um objecto de culto do rock nacional recente. Desde aí, Maria Reis e a sua irmã Júlia têm-se desdobrado entre o papel de líderes espirituais da Cafetra Records e songwriters por direito próprio. Com Benefício da Dúvida, Maria Reis assina mais um trabalho repleto de pequenos diamantes pop de baixa-fidelidade, após o lançamento do igualmente viciante A Flor da Urtiga no ano passado.

As guitarras ruidosas da era Pega Monstro sobem à tona apenas na faixa de abertura, “Lobisomem”, sendo substituídas pela guitarra acústica nos seguintes temas — é nesses momentos mais íntimos que melhor ouvimos algum do humor desconcertante e da dialética particular de Maria Reis, com tanto de enternecedora (“encontraste a melhor versão de ti”, em “Desaparece”) como ácida (“és o calcanhar de Aquiles dos teus pais”, em “Tipo do Ferro”). A voz característica e os versos repletos de jogos de palavras e engenho nunca deixam de ser acompanhados de um faro melódico ao alcance só de predestinados, como na ritmada faixa-título ou na encantadora “Virgem Maria”. Benefício da Dúvida desenterra das cordas da guitarra pequenos hinos ao mundano, com a honestidade de quem vê no banal aquilo que é mais extraordinário e misterioso. Luís Sobrado

1.Fumo Ninja – Olhos de Cetim

O grupo Fumo Ninja é um projeto que acrescenta ao prolífico cânone do irrequieto músico Norberto Lobo. Munido do seu fiel baixo, Lobo junta-se assim à equipa instrumental composta pela bateria sóbria de Ricardo Martins e pelas teclas melodiosas de Raquel Pimpão, que servem de remate à voz límpida e harmoniosa de Leonor Arnaut. O resultado desta colaboração culminou no álbum Olhos de Cetim, uma coleção de faixas breves mas espontâneas e elegantes, num fio condutor que flirta com a pop mais orelhuda e cativante, mas que não se coíbe de revelar uma progénie vagamente jazzy de preponderância espacial. Músicas como “Andróide” ou o single de avanço “Segredo” são uma bela maneira de se ficar prendido ao breve mostruário sonoro do imaginário alucinante e anódino dos Fumo Ninja. Ruben Leite

 

Álbuns internacionais

10. Perfume Genius – Ugly Season

Dez canções marcam o regresso de Perfume Genius, alter-ego do norte-americano Mike Hadreas. Dois anos após Set My Heart On Fire Immediately, fomos contemplados com Ugly Season, o sexto registo de estúdio do artista, merecedor do carimbo da Matador Records, e ainda uma atuação magnífica no festival Paredes de Coura. Pensado e composto originalmente como acompanhamento musical para a peça de dança contemporânea The Sun Still Burns Here, da coreógrafa Kate Wallich, Ugly Season envolve-se num tecido sonoro gracioso e sensível, rico em melodias orquestrais eximiamente elaboradas, sem descurar as distintivas e desarmantes sensibilidades pop. Temas como “Eye in the Wall”, reminiscente da energia de David Bowie patente em Black Star, “Herem” e “Pop Song” equilibram as porções de luminosidade e a névoa presentes no disco, e consolidam-no como uma das grandes obras de 2022. Rui Gameiro

9. Gilla Band – Most Normal

Em Most Normal – o terceiro LP dos Gilla Band (anteriormente conhecidos como Girl Band) – o quarteto aperfeiçoou a sua sonoridade para produzir aquele que é o seu álbum mais coeso e inventivo editado à data. Abarcando picos de tensão instrumental e lírica (“Eight Fivers” e “Backwash” são exímios exemplares), momentos expansivos que incursam pelos domínios do dub (“Red Polo Neck”) e intermezzos em que a influência do IDM transparece de forma mais nítida (“Gushie”), mapear plenamente o espectro das inspirações sonoras dos irlandeses continua difícil neste álbum – de resto, esta tarefa nunca foi fácil. Desde a sua génese em 2011 até ao presente, os Gilla Band seguem na sua demanda de usarem vocais e instrumentos de percussão e de cordas para mesclar os géneros pós-punk, rock industrial e da música eletrónica de forma continuadamente inventiva, desafiando a categorização conceptual, receitas sonoras e o sentido auditivo com momentos do mais puro noise. A única constante, de resto, é a sua progressão enquanto referência no género – qual género? Vocês decidem. Fãs dos momentos mais sónicos dos LCD Soundsystem e dos Fall têm aqui muito com que se entreter, sendo que finalmente os podemos ver na edição d’este ano do Primavera Sound. Edu Silva

8. Rosalía – MOTOMAMI

A ascensão de Rosalía enquanto fenómeno global e da descentralização da língua inglesa – e consequente credibilização da cultura latina – na cultura popular não fazia adivinhar o rumo que a autora de “Malamente” levaria com o sucessor MOTOMAMI, o álbum-manifesto que separa a artista emergente, responsável pela revitalização do novo flamenco, da estrela mundial. Quatro anos volvidos de El mal querer (e cinco do álbum de estreia Los ángeles), a artista da Catalunha concentra no seu terceiro álbum um punhado de referências aparentemente distantes, num corpo transgressor e altamente exploratório onde a pop choca de frente com o perreo, o flamenco e a eletrónica, prestando homenagem à cultura latina, nomeadamente às tradições sul-americanas da bachata e do dembow, ao mesmo tempo que propõe novas formas de pensar o passado sob um prisma contemporâneo. Filipe Costa

7. Porridge Radio – Waterslide, Diving Board, Ladder to the Sky

Para os melómanos interessados em geografia, temos a opção musical ideal. É super rico no terreno, tem água, terra e escadaria rumo ao céu: falamos de Waterslide, Diving Board, Ladder to the Sky, o mais recente trabalho da banda de indie rock de Brighton. Apresentado diversas vezes em Portugal – no verão, no festival de Paredes de Coura, e mais recentemente,no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, ou no Super Bock em Stock –, este é um álbum de emoções fortes, por vezes de difícil digestão, especialmente para os mais atentos à poesia lírica, que, no caso de Waterslide são autênticos poemas. A comando da voz crua e lindíssima de Dana Margolin, também ouvimos a teclista Georgie Sttot em várias faixas, numa outra harmonia. Em Waterslide, ouvimos a projeção de várias emoções, desde a ansiedade, ao medo, mas o amor e a sua força também são assumidos e evocados amiúde. Lembra Any Shape You Take (2021) de Indigo de Souza (também ele um álbum bastante escuro, onde os momentos de luz são raros, mas mais especiais e comoventes) pela sua intensidade emocional. Se trabalhos anteriores como Every Bad (2021) mostravam já grande potencial, em Waterslide, Diving Board, Ladder to the Sky, os Porridge Radio esmeraram-se. Catarina Fernandes

6. black midi – Hellfire

Os black midi voltaram em 2022 aos originais com Hellfire, o terceiro registo discográfico da banda londrina. O trio composto por Geordie Greep, Cameron Picton e Morgan Simpson recorreu aos elementos harmónicos e melódicos de Cavalcade enquanto foram buscar a brutalidade e intensidade de Schlagenheim, expandindo assim os horizontes para um espectro mais avant-garde, dentro daquilo que é o seu rock progressivo. Ao longo de Hellfire, várias camadas instrumentais quase esquizofrénicas sobrepõem-se com a voz inigualável de George, gerando uma autêntica carnificina musical onde quanto mais ouvimos, mais elementos conseguimos desconstruir e analisar. Tiago Farinha

5. Jockstrap – I Love You Jennifer B

Os Black Country, New Road estão nos holofotes, mas não é só o projeto rock, outrora liderado por Isaac Wood, que merece destaque. Georgia Ellery, guitarrista e violinista dos BC,NR, juntou-se a Taylor Skye, colega na Guildhall School of Music & Drama, em Londres, para formarem Jockstrap. Em I Love You Jennifer B ouvimos a experimentação ousada da dupla, onde ora se ouve a violinista Ellery e traços elementares da atmosfera jazz em que se especializou, ora a produção de Skye, aluno exemplar na música eletrónica, resultando numa obra completamente cintilante e singular. Marcada pela sonoridade glitch-pop e pela poesia gen-z, sobre procurar e fugir de estímulos. Cheio de luz néon e às vezes submerso em água, I Love You Jennifer B tem uma enorme elasticidade musical e foi levado de forma simultaneamente divertida e séria pela dupla improvável. Depois de se terem estreado no festival Mucho Flow, regressam a Portugal em junho, para atuarem no Primavera Sound. Catarina Fernandes

4. Big Thief – Dragon New Warm Mountain I Belive In You

O lançamento de um álbum duplo costuma servir de declaração de intenções para qualquer banda rock: nalguns casos trata-se de um exercício de auto-indulgência, noutros uma tentativa vã de explorar novas ideias e novos sons, noutros poderá tratar-se de uma obra de ambição conceptual que justificaria um formato mais alargado. Muito mais raros são os álbuns em que um disco duplo se assume, acima de qualquer outra coisa, como um grande conjunto de canções — mas é disso que se trata em Dragon New Warm Mountain I Believe In You, o mais recente disco de título críptico do mais importante conjunto rock americano actual. Aproveitando o “momentum” dado pelo lançamento de quatro bem-sucedidos discos ao longo dos últimos seis anos, os Big Thief continuam a gravar a um ritmo frenético, e o entusiasmo não poderia ser mais notório: há alegria e sinceridade em todos os segundos e todas as notas.

Adrianne Lenker é a vocalista e songwriter da banda e também o seu coração pulsante: bombeia sangue pelos 20 temas do disco e enche as canções com a sua escrita elegante, terna, esclarecida, e até bem-humorada, como no country de “Spud Infinity”. As suas palavras elevam algumas destas canções a um patamar de excelência: “The Only Place” é uma canção prodigiosa, com um trabalho de guitarra tão comovente como os seus versos finais: “When all material scatters / And ashes amplify / The only place that matters / Is by your side”.

Mas há um motivo pelo qual destacar algum elemento da banda é quase contraproducente: mais que uma banda, os Big Thief parecem funcionar como um só corpo com vários membros, um organismo em perfeita harmonia conectado por algum tipo de energia cósmica e inexplicável ao invés de músculos e ossos. Há momentos de folk confessional (“Simulation Swarm”), lo-fi catchy (“Wake Me Up To Drive”) ou rock abrasivo (“Flower Of Blood”), e a despreocupação e a tranquilidade com que a banda parece interpretar qualquer um deles — e que podemos até testemunhar em pequenos segundos de conversa entre canções — torna a “experiência” Big Thief desarmante e contagiante. É um disco-casa, um conjunto de temas tão acolhedor que podemos imaginar estas canções sendo gravadas entre pausas para café, entre sorrisos e conversas feitas de comunicações telepáticas ou pelo olhar, numa qualquer sala-de-estar, na companhia de gatos e plantas na vez de microfones e amplificadores. Luís Sobrado

3. Weyes Blood – And In The Darkness, Hearts Aglow

O mais recente álbum do catálogo de Natalie Mering é o segundo capítulo de uma trilogia que se iniciou em 2019, com o aclamado Titanic Rising. Tal como nesse disco, os arranjos orquestrais imaculados e as melodias cuidadosamente compostas poderiam remeter-nos para o período da pop clássica dos anos 70 de um Harry Wilson ou Todd Rundgren, mas as canções de Weyes Blood são particularmente difíceis de definir temporalmente. “Mercy is the only cure for being so lonely”, diz Mering na fantástica faixa de abertura, “It’s Not Just Me, It’s Everybody”: a orquestra e a harpa evocativa de Mary Lattimore transportam-nos para lugares fantasiosos e idílicos, ao mesmo tempo tão familiares e íntimos, mas musicalmente indecifráveis, nem anteriores nem posteriores ao “nosso” tempo, mas fora ou para lá dele.

Hearts Aglow é guiado pela permanente auto-reflexão obsessiva de Mering e pela sua compaixão incorrigível. Todas as suas lutas pessoais são projectadas em palavras de inspiração universais: “We are more than our disguises / We are more than just the pain”, canta em “Twin Flame”. Se Titanic Rising era a premonição da catástrofe — do “Titanic” prestes a acontecer — em And In The Darkness, Hearts Aglow estamos sozinhos no meio do oceano em busca de terra firme, à espera que os corações se acendam e mostrem o caminho. Natalie já acendeu o dela. Luís Sobrado

2. Julia Jacklin – PRE PLEASURE

Três anos após o aclamado lançamento de Crushing, Julia Jacklin voltou em grande com PRE PLEASURE, o seu terceiro registo discográfico editado via Transgressive Records. Aqui podemos observar aquilo que é um amadurecimento da artista australiana, com um disco repleto de belas melodias e letras profundas que nos levam por uma viagem introspetiva, funcionando quase como terapia nestes tempos difíceis que atravessamos. Julia vai além dos conceitos do indie rock e cria algo que é seu, profundamente pessoal e merecedor de atenção para os nossos leitores. Tiago Farinha

1. Black Country, New Road – Ants From Up There

Nos primeiros metros de 2021, quando o buzz em torno do álbum de estreia dos ingleses Black Country, New Road era de visível entusiasmo (For the first time foi imediatamente tido como um dos mais credíveis documentos da renascença rock britânica), o septeto de Londres afirmava numa entrevista que não pretendia ser mais do que os próximos Arcade Fire, uma confissão improvável quando proferida por um grupo que, melhor que ninguém, soube criar a sua própria identidade (ainda que “Science Fair”, um dos temas retirados de For the first time, os anunciasse como “o segundo melhor tributo aos Slint do mundo”).

Ants From Up There, a segunda e derradeira obra dos Black Country, New Road (o álbum aterrou dias depois do seu principal letrista, Isaac Wood, anunciar a saída do grupo), é a confirmação deste testemunho: preservam-se os minimalismos clássicos de Phillip Glass e Arthur Russel, os radicalismos sem forma de Glenn Branca e as tradições seculares do klezmer e da música tradicional judaica, mas a nova máquina (concorde?) dos ingleses tem as coordenadas apontadas para outro norte, para o Canadá e para cena a musical de Montreal, que no virar do século nos deu projetos tão distintos como Godspeed You! Black Emperor, A Silver Mt. Zion ou, lá está, Arcade Fire.

Se no primeiro álbum nos trocaram as voltas (acrescentando novas secções, modificando letras dos temas que foram partilhando ao longo de 18 meses de experimentação), em Ants From Up There encontrámos o mais sólido manifesto do grupo, uma obra intemporal, com tanto de lúgubre como de antémico, capaz de unir as pontes que separam a candura pop de Billie Eillish das diatribes folk de Neutral Milk Hotel e The Microphones. Filipe Costa

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