Melhores do Ano 2023: Revelações

Melhores do Ano 2023: Revelações

| Janeiro 4, 2024 1:02 pm

Melhores do Ano 2023: Revelações

| Janeiro 4, 2024 1:02 pm

2023 marcou uma fase de consolidação para a nossa redação. Marcámos presença uma vez mais no Sónar Lisboa, onde testemunhámos o pulsar eletrónico da capital. Superámos dilúvios no Primavera Sound e Paredes de Coura, fundimo-nos com as torrentes sonoras dilacerantes e catárticas no Amplifest. No Semibreve contemplámos as vanguardas da música eletrónica e das artes digitais. No Extramuralhas reencontrámos amigos góticos na cidade cuja existências muitos insistem em “negar”. Além-fronteiras, fomos até a Leipzig, na Alemanha, e experienciámos como uma cidade respira anualmente a cultura gótica do festival Wave Gotik Treffen.

Embora não tenhamos sido tão ativos internacionalmente como desejávamos, há duas conversas das quais nos orgulhamos imenso – Nina Nastasia e Divide and Dissolve. No cenário nacional, tivemos o prazer de escutar as palavras de artistas como Glockenwise, Conferência Inferno e Toada.

Foi um ano marcado pela efervescência musical e pela eclosão de novos projetos em Portugal. Salientamos 11 projetos emergentes que lançaram sua primeira coleção de canções em 2023 – seja um EP, um álbum ou uma mixtape – e cujas estreias impactaram a equipa da Threshold. Da club music e hard drum de cariz queer de Dakoi, ao jazz libertário e prog-rock fervilhante dos Lucifer Pool Party, passando pela cena krautrock tingida pelo techno e space rock dos MДQUIИД, que tomou de assalto os palcos de norte a sul do país, até à melancolia reminiscente do folclore tradicional português de Pedro Ricardo, 2023 foi um ano em que os jovens portugueses demostraram uma inabalável iniciativa ao criar e interpretar músicas singulares.

Ângulos Mortos

Petrichor, o lançamento de estreia de Ângulos Mortos, tem como base um improviso contínuo de quase 30 minutos. Unindo instrumentos de cordas a sintetizadores e samples ou até mesmo voz, gera-se um contraste entre sons eletrónicos imprevisíveis, por vezes distorcidos, descontrolados ou dispersos, e um baixo hipnótico, do qual parte uma base pulsante e melódica. Sombrio e ruidoso sem ser muito abrasivo, Petrichor é envolvente e consistentemente interessante. Detentor de uma sonoridade lo-fi repleta de texturas sonoras deliciosas, consegue transportar-nos para o lugar dos músicos, partilhando connosco o prazer da exploração sonora através de diversas experiências e manipulações com efeitos variados. Rui Santos

Cobrafuma

Da constante convivência entre os seus membros em sítios icónicos como o Woodstock69 ou o centro comercial STOP no Porto, reuniram-se as condições para a (super?)banda Cobrafuma nascer, numa altura em que a pandemia do COVID-19 ainda estava no seu pico. Dado o pedigree dos seus integrantes (que têm no currículo incursões em bandas consagradas como Kilimanjaro, Greengo e Plus Ultra), os Cobrafuma têm apenas uma motivação por detrás da sua criação: uma necessidade de festim movido por um cocktail altamente flamejante composto por thrash metal, punk e rock ‘n’ roll, que serviu de mote para o álbum homónimo lançado este ano. A sonoridade do grupo é frenética, arrebatadora e sem floreios, como evidenciado em faixas compostas de peso e adrenalina, como a “Na Fina Peneira” ou a “Aço”. Ruben Leite

Dakoi

Dakoi é uma DJ e produtora oriunda de Leiria. Atualmente baseada em Lisboa, a persona criativa de Tanya Caldeira decidiu partilhar os seus últimos anos de composição e os ritmos que foi criando nos quartos de várias casas por onde passou. O seu EP de estreia, Mastiga, chegou em junho e assume-se como uma obra altamente catártica de libertação e auto-reconhecimento, envolta em club music e hard drum. Responsável pelas festas lésbicas e queer LIBIDA, Dakoi tem deixado nos últimos anos o seu cunho em compilações de editoras como Mãe Solteira Records e Weathervane Records, e em remisturas de temas de Odete e ARCANA. Rui Gameiro

Lucifer Pool Party

Lucifer Pool Party é muito mais do que um espelho dos seus antecessores. A estreia do grupo com o mesmo nome tem a capacidade de realçar as suas influências – Zappa, Mike Patton, Stereolab, John Zorn – sem nunca se perder totalmente nelas, abrindo uma visão panorâmica sobre os supostos limites de género. Há aqui jazz libertário, prog-rock em ebulição, dinâmicas de tensão e libertação, e uma voz – luminosa, ludibriante – a untar um conjunto de invidualidades fortes que, em grupo, se superiorizam à soma das partes. Filipe Costa

Luís Catorze

Luís Catorze não é nenhum estranho, mas uma revelação. Também não é nenhum estranho para a música portuguesa. Apodera-se dela com o máximo de carisma, humor e ousadia possível – coisa rara, hoje em dia. É uma estreia a solo do ex-teclista de Chinaskee & Os Camponeses arrebatadora, onde mostrou a sua habilidade lírica, seguindo ora um registo mais íntimo e pessoal ora uma estética sonora ligada ao hyperpop. Lançou-se em novembro de forma independente, com Altura Certa/Recomeço (20/22), álbum duplo que conta com a participação de Luís Severo, Bia Maria ou A Sul. Um nome que revela imensa criatividade e coragem. Para ficar a pairar no radar. Catarina Fernandes

MДQUIИД.

A MДQUIИД. vem de Lisboa e é dirigida por Halison Peres (Bateria/Voz/Letras), Tomás Brito (Baixo) e João (Guitarra), um trio que emergiu das cinzas dos NÃO! no início deste ano e que desde então tomou de assalto os palcos de norte a sul do país com Dirty Tracks for Clubbing, o seu LP de estreia. Estendendo-se ao longo de precisamente quarenta minutos divididos entre quatro faixas identificadas por um sistema de pontos, Dirty Tracks for Clubbing é uma ode frenética ao krautrock tingido pelo techno e pelo space rock na qual encontramos como únicas constantes o tratamento lo-fi das cordas e dos vocais e o compasso 4/4 da batida motorik. Quer seja para ouvir nos phones ou na discoteca, é para partir pista. Eduardo Silva

Marquise

Marquise é o som de uma nova geração da cena rock do Porto, longe de morta, numa renovação feroz e inquieta. Ao longo deste ano, os Marquise provaram que não são apenas mais uma banda de garagem, com o lançamento de um EP homónimo em março e uma série de concertos quentes e energéticos a tocá-lo. Juntam melodias de uma voz suave mas destemida a guitarras sujas, ora melancólicas, ora frenéticas. Enraizadas no rock alternativo dos anos 90 e início dos 2000, as músicas de Marquise, entre influências de The Strokes, Ornatos Violeta, ou até toques de shoegaze, têm vindo a encantar um público cada vez maior. A meio do ano juntaram-se à editora portuense Saliva Diva, aumentando as expectativas e o interesse pelo futuro promissor da jovem banda. Afonso Mateus

Orca

Orca — alter-ego de Leonor Cabrita — já havia criado algum furor no cenário musical em 2022, com os singles “Gorgulho” e “Ainda Queremos Ser Pessoas”. No entanto, foi com o lançamento do seu álbum de estreia — Paisagem Trânsito, editado em março sob o selo da Facada Records — que a artista algarvia se apresentou de forma mais definitiva. Apesar dos singles acima mencionados não terem sido incluídos neste projeto, acabámos por receber em troca uma Orca com uma sonoridade mais polida e matura, demonstrada via um art pop com uma veia jazzística, acompanhado por uma lírica que acaba por dar um identidade própria ao projeto a partir de uma lírica ao serviço das emoções. Isto é: um ode à individualidade dentro de um ideal coletivo resistente à competição societal; e ao mesmo tempo uma carta de amor à voz do coração. João Pedro Antunes

Pedro Ricardo

Pedro Ricardo é um talentoso multi-instrumentista, produtor e DJ proveniente do Porto, atualmente estabelecido em Berlim. Consigo traz, desde a juventude, uma afinididade natural pelo jazz, no entanto, o artista não hesitou em enveredar pelas sonoridades de cariz eletrónico nos últimos oito anos – lançou trabalhos sob diferentes pseudónimos, colaborando com editoras como Extended Records, 1980Lyfers, Wolf Music, além das suas próprias Hear, Sense and Feel e Pedro’s House. Em fevereiro, Pedro Ricardo apresentou ao mundo o seu álbum de estreia em nome próprio, Soprem Bons Ventos, pela mão da britânica Soundway Records. Melancólica e atemporal, é uma obra que mescla habilmente o folclore tradicional português com influências de Cabo Verde, Brasil e Espanha, elementos jazz, paisagens eletrónicas e percussões pulsantes. O ano de 2023 foi mesmo notável para Pedro Ricardo. Em junho lançou, em parceria com Damián Botigue, o registo colaborativo Un Nuevo Amanecer, e uns meses mais tarde, o artista teve a oportunidade de se apresentar no conceituado festival Le Guess Who? (Utrecht, Países Baixos). Rui Gameiro

Prestes

Prestes é uma dupla formada por Bruno Martins (Bruno de Seda) e José Pedro Santos (DJ Ideal) no verão de 2018. Os artistas portuenses, que partilham atividade em projetos como José Pinhal Post-Mortem Experience, Bruno de Seda, Equations ou Suave Geração, recalibram aqui o foco para as pistas de dança com o intituito de dissolver o psicadelismo da electrónica analógica com beats africanos lentos, como o Kizomba, Zouk, Tarraxinha, Afroswing. Inspirados por editoras como a Príncipe Discos e Enchufada, porta-estandartes do movimento musical da diáspora africana, Prestes desemboca numa fusão singular entre música de dança, electrónica ambiental e canção pop. O EP de estreia, É Difícil, saiu em julho com o carimbo da também portuense XXIII, e é composto por três temas, um deles com a contribuito vocal de Claiana, e um remix de Cash From Hash. Rui Gameiro

Zé Simples

José Penacho não é exatamente uma nova cara dentro do panorama musical português. Afinal, já o vimos enquanto membro de bandas como Balão Dirigível, Cancro, Marvel Lima e Riding Pânico. Todavia, o lançamento do álbum Feeling Horizonte Aberto — em março deste ano — marca a estreia oficial da nova etapa do músico bejense enquanto Zé Simples: o seu projeto a solo. Ora, Feeling Horizonte Aberto trata-se de um LP que procura transmitir um sentimento de nostalgia milenialmente cosmopolitana a partir de uma sonoridade que facilmente remete aos anos 80; complementado por uma abordagem eletrónica não demasiado distante à do português Co$tanza ou do canadiano Daphni, ou até mesmo do electropop do francês Madeon ou do estadunidense Porter Robinson. No fundo, criou-se aqui um projeto que cria — citando o próprio Zé Simples em press release — “um sentimento de horizonte aberto, comum a quem vive no Alentejo”. Merece assim um espaço nesta nossa lista pela sua ambiência aridamente ampla e retromodernista. João Pedro Antunes

Artwork: Filipe Costa

FacebookTwitter